sexta-feira, 26 de maio de 2017

A escola e as Competências para a Vida (Parte 1)


Em uma discussão recente ocorrida durante o seminário Competências para a Vida, realizado em Fortaleza nos dias 23 e 24 de maio deste ano, o professor Maurício Holanda, Ex-Secretário da Educação do Ceará, fez referência a três perguntas atribuídas ao judeu Hilel (60 a.C.-9 d.C.): "Se eu não for por mim, quem o será? Mas, se eu for só por mim, que serei eu? Se não agora, quando?"

A partir destas​ perguntas, começarei a discorrer sobre o tema "Escola e as Competências para a Vida" numa sequência de textos a serem publicados neste blog.

Não tenho pretensão de fazer um resgate histórico para tentar explicar as motivações de Hilel para elaborar essas perguntas e o seu contexto. Vou aproveitá-las para refletir sobre a escola e sua função de promover o desenvolvimento integral das pessoas.

Tenho clareza que são temas de reflexão para cada pessoa em sua individualidade. No entanto, parto do princípio de que são questões norteadoras para a elaboração de um currículo escolar e práticas pedagógicas que têm a intencionalidade de fazer que os jovens consigam se reconhecer como sujeitos, protagonistas de suas vidas acadêmicas, profissionais e afetivas.

Didaticamente, comentarei cada pergunta separadamente:

1) Se eu não for por mim, quem o será?

Já fui insistentemente claro em textos anteriores: à escola não compete apenas o ensino de conteúdos, a transmissão de saberes; espera-se também desta instituição a estruturação de um trabalho pedagógico que considere as múltiplas dimensões da vida com vistas ao desenvolvimento da pessoa humana, à formação de cidadãos plenos.

No processo educativo, a transmissão de conhecimento não é um aspecto “natural”. Ora, todos se relacionam com informações e processam-nas em conhecimento a partir de sua visão de mundo e necessidades sistematizadas. Em outras palavras, para aprender bem o que nos propõem a ensinar, o "objeto" a ser aprendido deve estar relacionado ao projeto individual de desenvolvimento de cada estudante.

Estou falando que, se o jovem não for por ele, ninguém o será, ou ninguém o conseguirá ser. Primeira missão pedagógica da escola, portanto, é ajudar ao estudante a se reconhecer como protagonista de sua vida e buscar consolidar sua identidade pessoal, de modo que o jovem pense no seu processo de aprendizagem assumindo responsabilidades​ para sua realização, ao contrário de delegar isso a outro que se esforça para ensiná-lo.

2) Mas se eu for só por mim, que serei eu?

Depois de ajudar cada estudante a desenvolver​ sua autoimagem, sua identidade, seu projeto de vida, é preciso ajudá-los a compreender que não se está só no mundo. A felicidade de cada um está associada, inevitavelmente, à felicidade do outro.

Vive-se numa "modernidade líquida", à luz de Zygmunt Bauman, em que predomina a perspectiva de associar felicidade a conquistas de bens de consumo, de caráter efêmero, passageiro, constituído em teias de relações sociais superficiais, intensificado pela comunicação utilizando a internet.

Todas as pessoas precisam aprender, e isso deve acontecer na escola de forma organizada e intencional, que uma outra condição de socialização é possível. É preciso que se assegurem os vínculos entre as pessoas e o fortalecimento do engajamento à vida coletiva, tendo em vista desenvolver a identidade comunitária.

3) Se não agora, quando?

De forma bastante equivocada, estrutura-se a escola para dar conta de um "por vir", de um futuro. É verdade que esta dimensão precisa estar viva no trabalho das escolas. Entretanto, fundamentalmente, os jovens precisam compreender e desenvolver as dimensões das duas perguntas anteriores no tempo da escola, no tempo de "ser jovem".

"Um dia você vai dar valor a escola..." diz-se em momentos que os alunos cometem algum ato de displicência e indisciplina. Não basta apontar as consequências do "não dar valor a escola". Cada instituição escolar precisa ajudar a vincular o projeto de vida dos jovens às atividades de aprendizagem.

A juventude geralmente é vista pejorativamente como fase da transição, somente. Essa é uma visão que leva a escola a ignorar o momento da vida juvenil e a criar um clima escolar distante dos anseios dessas pessoas.

Concluindo...

Diante dessas reflexões, tenho a convicção de que o tema "Escola e as Competências para a Vida" deve ganhar relevância nas discussões para a construção de uma instituição pensada para e com os jovens que na perspectiva da educação integral.

terça-feira, 23 de maio de 2017

Rogers Mendes: "Por que estimular alunos da rede pública a fazerem o Enem?"

Desde que o Enem ganhou o atual formato, passando a ser um instrumento utilizado por muitas universidades para acesso ao ensino superior, a Secretaria da Educação do Ceará, por meio de sua rede de escolas, vem estimulando a inscrição e a frequência dos alunos que concluem o Ensino Médio neste exame nacional.

São muitos os esforços para apoiar os estudantes neste processo. Com antecedência, os jovens são orientados a providenciarem a documentação necessária para a inscrição e a realização das provas; as pessoas e os equipamentos das escolas ficam à disposição para a inscrição; é realizada uma série de ações de motivação e de complemento da preparação para o exame; no que ficou denominado Dia “E”, no dia das provas, é arquitetada uma logística para apoiar a presença dos alunos nos locais de aplicação; e quando o resultado sai, mais uma vez, as escolas se estruturam para que os estudantes concorram a vagas nas universidades.

Não por acaso, em 2017, registra-se acima de 98% dos alunos que concluem a 3ª série na rede estadual inscritos.

Mas por que destacar a forte adesão ao Enem? Não se trata de um processo “normal” e que acontece em todo o Brasil? É possível destacar três dimensões a reitero da importância deste feito:

1) inscrever-se no Enem não é, ainda, uma atitude de todos estudantes das escolas públicas brasileiras. Em muitos estados, menos da metade dos estudantes das redes públicas inscrevem-se. A baixa expectativa dos estudantes em se sair bem neste exame afasta os jovens das provas. Portanto, quando o Ceará alcança este percentual, tem-se um forte indício de que os estudantes sentem-se estimulados por professores e gestores escolares a acreditarem em si mesmos, em seu processo de aprendizagem;

2) as competências e as habilidades cobradas nas provas de cada área do conhecimento no Enem não esgotam o currículo escolar do Ensino Médio, mas o processo de preparação estimula a manutenção de um pacto educativo entre professores e estudantes. Esta sinergia não é pouca coisa, permite a abertura para aprofundamento dos estudos e, por conseguinte, melhores resultados acadêmicos;

3) um dos aspectos verificados nos sistemas de ensino do mundo todo para criação de um bom clima escolar, capaz de gerar mais aprendizagem, está relacionado a altas expectativas que os professores demonstram ter de seus alunos. Muitos estudantes até dizem no momento da inscrição que não querem fazer o Enem, não querem entrar na universidade, mas são convencidos a se inscreverem a partir da forte presença e influência de gestores e professores nesta decisão.

Dessa forma, ter praticamente a totalidade dos alunos inscrita no Enem é um bom sinal para dias melhores na educação pública cearense.


Rogers Mendes

Coordenador de Gestão Pedagógica da Secretaria da Educação do Estado do Ceará (Seduc)

Publicado no Jornal O povo em 23 de maio de 2017. http://www.opovo.com.br/jornal/opiniao/2017/05/rogers-mendes-por-que-estimular-alunos-da-rede-publica-a-fazerem-o-e.html