quinta-feira, 28 de julho de 2016

Lições da sala de aula: a primeira experiência

Quando iniciei minha vida de professor, ainda aos 18 anos, recém ingresso na universidade no curso de ciências sociais, lecionava numa sala de "aceleração", programa do governo do estado do Ceará na década de 1990 que pretendia corrigir fluxo, uma vez que na importante campanha de garantir a matrícula das crianças na educação básica, muitas já tinham uma idade avançada quando se matricularam pela primeira vez e com processo de alfabetização incompleto.

A intenção do programa era dar condições as crianças e jovens a se adequarem as séries indicadas para suas idades. Pela complexidade da missão, essa primeira experiência foi certamente a minha grande sala de aula, onde pude sentir toda a diversidade de ritmos de aprendizagem. Um desafio marcante!

Nas minhas reflexões sobre escola pública, essa vivência surge sempre como ponto de partida. Lembro das expressões dos meus alunos durante as atividades propostas, em que se revelava a timidez e a consequentemente dificuldade de comunicação.

Aprendi nesse período algumas lições:

1) Não tem como fugir. O mesmo assunto tem que ser abordado de forma diferente em sala de aula. A aula expositiva é útil para alguns, mas muitos somente conseguem aprender quando se envolvem em atividades de grupo, com metodologia participativa. Outros ainda precisam de atendimento individualizado. Numa perspectiva de aula inclusiva, é preciso variar os métodos de ensino de modo a envolver todos os alunos no processo de aprendizagem.

2) A aula tem que ter contexto. Como abordar um assunto sem partir de uma situação real ou resolução de um problema posto para a humanidade? Todo conhecimento foi desenvolvido a partir de uma necessidade humana. Então tem o por que de ter sido desenvolvido. Colocar para os alunos temas que não se sabe ao certo a necessidade de estudá-los, dificilmente traz o estudante para o circuito de atividades da sala de aula.

3) O tempo em que alunos de mantêm concentrados na mesma atividade não é tão elástico. Permanecer muito tempo numa mesma proposta é um convite para a dispersão da atenção e do interesse. O professor precisa estruturar suas aulas de modo que suas intervenções tragam elementos novos para os estudantes se manterem concentrados.

4) Mais importante que o método de ensino, é  a capacidade do professor de conquistar a confiança dos alunos. Como assim? Os alunos precisam confiar que o professor está verdadeiramente envolvido com o sucesso acadêmico. A partir deste vínculo, as propostas de aprendizagem terão o envolvimento mais consistente dos alunos.

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Professor não é repassador de conteúdos

Não há imparcialidade ou neutralidade plena em nenhuma situação relacionada ao processo de ensino. A história de vida de cada professor se manifesta involuntariamente em qualquer expressão dos conteúdos programados. E ainda bem que é assim. O contrário seria memorização do que se lê e escuta para passar nas provas.

Não é sensato restringir o ato de educar a um mero formalismo de apropriação de conteúdos historicamente construídos e que, justamente pelas inúmeras interpretações manifestas nos diferentes livros didáticos, precisam passar por um amplo processo de reflexão. E a experiência do professor é indispensável nesse momento. Sem ela, o risco de se distorcer muitas informações é extremamente elevado.

Não dá para coibir o pensamento crítico do professor sem prejudicar àquilo que verdadeiramente caracteriza a boa aula: as relações de confiança e afetividade que se estabelece entre o docente e seus alunos.

Muito tem me incomodado nas discussões recentes sobre qualidade educacional, no contexto dos princípios da escola sem partido, a estreiteza do pensamento de que apenas a definição dos conteúdos e dos métodos de ensino são suficientes para se ter a aula adequada, efetiva. De preferência, sem questionar muito o autor dos livros didáticos ou apostilas dos sistemas de ensino. O que a elite quer dizer nesses instrumentos deve ser a única verdade.

Sim. Todos sabemos que as obras didáticas vez ou outra trazem informações esquisitas com a finalidade de criar um clima de confirmação do status quo e manutenção da conformação diante das condições postas em nosso país. Isso sim, é doutrinação. Essa novela é um remake do período nebuloso de nossa história que se quer superar.

Se reivindica um professor neutro, que não se envolva emocionalmente com aquilo que ele estudou e estuda. Exige-se, apenas, o repasse dos conteúdos, de forma fria e sem nenhum tipo de manifestação outra que não seja a do texto do livro didático.

Alguém percebe que o que se quer, a todo custo, é a oficialização da educação bancária, tão denunciada por Paulo Freire?  Uma educação alienadora, em que deve se acreditar sem refletir no que é trabalhado em sala de aula?

Ao professor, basta dar aula, garantir que o aluno aprenda o conteúdo, sem discussão, no clima: "aceite que doe menos".

Educar não é produzir um produto inanimado, como uma peça de geladeira. Envolve sentimentos, histórias de vida, o olhar sincero, confiança no potencial do professor e de seus alunos. É, acima de qualquer outra coisa, um ato emancipador.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

As aulas das humanas e o estímulo à escrita

Sou professor de sociologia e nas minhas aulas busco sempre estimular os estudantes a escreverem. Para organizar as ideias sobre os temas estudados, não há estratégia melhor.

Umas das atividades que indico é a escrita de parágrafos sobre perguntas relacionadas ao tema da aula antes da explicação ou discussão. É a famosa sondagem sobre o que o estudante já tem de conhecimento acumulado. Essa atividade é rápida, leva em torno de cinco minutos, e traz o estudante para o tema da aula e permite o envolvimento da totalidade da classe. Quando os peço para lerem o que escreveram tenho elementos de partida para ministrar a aula em diálogo com suas ideias iniciais. A aula flui muito bem.

Saber organizar as reflexões ao escrever é uma habilidade que precisa ser estimulada cotidianamente. E as aulas de humanas podem muito bem dar essa contribuição.

Uma experiência que marcou a minha trajetória docente se deu em parceria com uma colega professora de língua portuguesa, profa. Wilma Duarte, na escola Israel Leocádio de Vasconcelos. Trabalhamos quinzenalmente temas de redação do ENEM ou de vestibulares que estavam voltados para o gênero dissertativo-argumentativo da seguinte forma:

- Eu apresentava o tema e estimulava uma discussão com os alunos, trazendo textos auxiliares para sua compreensão; 
- Noutro momento, a professora de língua portuguesa orientava sobre a organização do texto e escrita da redação;
- Os alunos então escreviam seus textos sobre o tema;
- Eu corrigia com foco na organização dos argumentos apresentados e a professora de língua portuguesa corrigia observando a organização textual;
- Com as minhas observações e da professora de língua portuguesa, os estudantes eram estimulados e fazerem a reescrita;
- Abria-se novo ciclo.

Considero essa simples experiência de resultados surpreendentes. Em dois meses de atividades percebemos o aperfeiçoamento da escrita de estudantes que não conseguiam expressar de forma coesa suas ideias neste tipo de escrita.

O que mais uma vez insisto, é que a leitura e escrita não é responsabilidade isolada dos professores de língua portuguesa. Todos os professores podem se envolver numa rotina em que a leitura e a escrita se fazem presentes.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Círculos de leitura na escola

A prática social da leitura e escrita precisa ganhar destaque no cotidiano escolar. É preciso superar o uso da leitura e da escrita apenas como instrumento técnico para se aprender o que as disciplinas trazem em seus conteúdos específicos.

Aprender a ler e escrever é um ato libertador. Seu uso social deve extrapolar o utilitarismo pedagógico e permitir ao estudante a interação com as situações reais vividas na sociedade e com os dilemas filosóficos da humanidade. Em outras palavras, a leitura e a escrita devem ganhar relevância para os estudantes no sentido mais amplo: o da cidadania plena.

Nesta perspectiva, quero destacar nesse texto uma iniciativa: os círculos de leitura.

Segundo o glossário Ceale, elaborado pela Universidade Federal de Minas Gerais, Círculo de leitura é uma prática de leitura coletiva e compartilhamento de textos e consiste basicamente na reunião de um grupo de pessoas, em encontros sucessivos, para discutir a leitura de uma obra literária ou não.

No Ceará, algumas escolas da rede estadual, com a orientação da Fundação Fernand Braudel e com apoio da Fundação Itaú Social, vêm desenvolvendo esta prática de envolvimento dos jovens estudantes em círculos de leitura. Nestes círculos, os participantes lêem obras clássicas da literatura mundial e participam de discussões sobre suas compreensões da leitura.

E o resultado não poderia ser outro: estudantes "magnetizados" com as tramas sofisticadas das histórias de Shakespeare e de outros gênios da literatura.

Os círculos de leitura, clubes de leitura ou algo do gênero devem ser estimulados em todas as escolas. A manifestação do protagonismo estudantil e o apoio dos professores são os ingredientes para se estruturar este tipo de iniciativa.

É muito importante que as escolas consigam ampliar seus repertórios de oportunidades de aprendizagem para garantir o sucesso acadêmico de seus alunos. E a criação dos círculos de leitura, sem dúvida, vai nessa direção.

Sugestão para consulta:

http://www.circulosdeleitura.org.br

sábado, 9 de julho de 2016

Incentivo à leitura para uma melhor escrita

Para escrever bem é preciso de três coisas, já diziam os primeiros professores: ler, ler e ler.

Hoje se faz campanhas para que o estudante escreva textos de até 30 linhas no gênero argumentativo-dissertativo para obter uma nota próxima ao ideal no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Mas não é possível escrever melhor sem o acúmulo de leituras.

Claro que para criar a prática da escrita não precisa esperar a leitura de uma biblioteca inteira. Não há uma ordem nessa questão: prática da escrita e da leitura deve se desenvolver simultaneamente.

O que quero expressar nesse texto é a necessidade de se estabelecer uma campanha permanente para se estimular a leitura na escola. O professor Edgar Linhares, ex-presidente do Conselho Estadual de Educação do Ceará, falecido recentemente, falava uma coisa que me chamava a atenção: nosso pensamento ocorre a partir de palavras, portanto, quanto maior o vocabulário do sujeito, mais longe o pensamento e a criatividade podem ir. (Essa não é uma citação ipsis verbis)

E a incorporação de palavras ao vocabulário somente é possível com a leitura de gêneros variados, das obras clássicas da literatura às obras mais contemporâneas, passando por jornais e revistas de circulação diária, semanal ou mensal. Enfim, ler, creio ser um consenso absoluto, é o subsídio para o pensamento crítico argumentativo, e consequentemente de uma boa escrita.

Porém, um entendimento que precisa ser superado é a vinculação das práticas pedagógicas de leitura e escrita às aulas de língua portuguesa. É muito pouco abrangente esse movimento na escola puxado apenas por professores dessa disciplina.

Há de se pensar estratégias que envolvam todos os professores, pois está à disposição obras da literatura ou periódicos associados a todos os componentes curriculares. Além disso, a escrita de textos é possível de ser inserida no plano de trabalho de todos os professores. Requer, no entanto, uma articulação da gestão da escola para efetivar essa possibilidade.

Enfim, a escola precisa ter como plataforma essencial de seu Projeto Político Pedagógico (PPP) o desenvolvimento do hábito de leitura de seus estudantes.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Liderança dos gestores no processo de aprendizagem dos estudantes

O impacto da gestão escolar nos resultados acadêmicos dos estudantes é tema bastante recorrente nas pesquisas educacionais. O quanto um grupo gestor influencia positivamente nos resultados de aprendizagem?

Sabe-se que criar um ambiente acolhedor e de altas expectativas nas escolas sobre a capacidade das crianças e jovens de aprender está entre as principais estratégias para estimulá-los a se dedicarem mais ao trabalho acadêmico. Garantir essas duas dimensões no cotidiano pode ser a grande contribuição dos gestores a partir de uma ação coordenada com todos os profissionais da escola.

Criar um ambiente em que cada aluno se sinta integrado, acolhido, não é fácil, mas é extremamente necessário. O aluno que falta a aula deve sentir, no mesmo dia, por exemplo, o quanto faz falta para a escola. Isso é básico. Mas ainda se enfrenta muitos desafios no acompanhamento e tomada de decisões quanto a infrequência discente e isso pode fortalecer uma sensação perigosa no estudante de que sua ausência não é sentida.

O que garante a inclusão educacional não é a matrícula, mas sim o cuidado sistemático que se desdobra no processo educativo de modo que seja estabelecido os vínculos afetivos dos estudantes com a sua unidade de ensino. O acompanhamento da infrequência está associada a esse cuidado. O processo de acolhimento não se esgota nessa ação, claro. Mas dizer com veemência que a escola vive a energia força do "nenhum a menos" faz muita diferença na decisão do estudante, principalmente de ensino médio, em permanecer, ou não, na escola.

Uma outra dimensão importante é a criação de um ambiente escolar fundado em altas expectativas. Não se trata de dizer aos estudantes, simplesmente, que todos são capazes de aprender. É preciso criar processos pedagógicos consistentes em que os estudantes sejam desafiados na medida certa para desenvolveram competências cada vez mais complexas.

A demonstração cotidiana dos professores de que acreditam no sucesso acadêmico dos seus alunos não é de ordem menor. Em muitas pesquisas que comparam resultados acadêmicos com as manifestações dos professores com expectativa positiva de aprendizagem de seus alunos revelam que há sim uma correlação positiva entre altas expectativas e aprendizagem efetiva.

Aos gestores escolares compete, em um última análise, fortalecer o clima escolar para que o estudante se sinta acolhido e desafiado a aprender de forma adequada.

domingo, 3 de julho de 2016

A incorporação de atividades realizadas fora da escola ao itinerário formativo do estudante

A escola é a instituição responsável pela formação intelectual/cognitiva dos cidadãos. Está organizada para trabalhar conteúdos relacionados ao vasto conhecimento acumulado pela humanidade a partir das empreitadas da ciência moderna.

Mas a sociedade contemporânea exige bem mais. Outras dimensões precisam ser desenvolvidas para ampliar as possibilidades dos jovens no que diz respeito a inserção nas estruturas complexas do mundo do trabalho, da universidade, enfim, na teia das relações pessoais, acadêmicas e profissionais.

A escola pode mudar sua organização pedagógica para adequar-se a essas novas necessidades. Trabalhar o desenvolvimento de competências socioemocionais; das habilidades artísticas e esportivas; da percepção cidadã do meu ambiente, entre muitas outras dimensões, traz para a escola novas responsabilidades e a atualiza diante dos novos desafios.

Mas a escola sozinha não pode simular todos os processos de aprendizagem nesse contexto. Criou-se muitas outras estruturas na sociedade que também contribuem para a formação das pessoas e não podem ser ignoradas na composição do itinerário formativo dos estudantes.

Não é sensato que diante desses novos desafios relacionados a formação plena das pessoas se ignore as atividades desenvolvidas fora da escola e que estão relacionadas à formação do estudante.

É importante que a escola faça um mapeamento das oportunidades de aprendizagem na comunidade para que estas possam ser reconhecidas no histórico escolar.