sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

A FALACIOSA IDEOLOGIA DE GÊNERO


Por *Homero Henrique de Souza


Diante da onda de supostas leis municipais que proíbem toda e qualquer discussão sobre a diversidade humana nas suas relações de gênero e sexualidade denominando essas discussões de “ideologia de gênero” é preciso alguns esclarecimentos e reflexões:

1º - O Plano Nacional de Educação (PNE) e o Plano Estadual de Educação do Ceará (PEE) NÃO PROÍBEM as discussões de gênero e sexualidade na escola. Apesar da exclusão dos termos GÊNERO, ORIENTAÇÃO SEXUAL e IDENTIDADE DE GÊNERO, as estratégias 3.20 e 7.20 do PNE preveem respectivamente a “Implementação de políticas de prevenção à evasão motivada por preconceito ou quaisquer formas de discriminação, criando rede de proteção contra formas associadas de exclusão escolar” e “Criação e fortalecimento de políticas de combate à violência e mediação de conflitos, inclusive pelo desenvolvimento de ações destinados à capacitação de educadores para detecção dos sinais de suas causas, como a violência sexual, (…), para promover a construção da cultura de paz (...). No PEE, a estratégia 8.8 disserta “Garantir a formação inicial e continuada de professores, gestores e demais profissionais da educação para desenvolver uma cultura de acolhimento, respeito, inclusive quanto a todos os preconceitos e opressões em razão de sua orientação sexual”;

2º - Nenhuma legislação municipal pode se sobrepor as constituições federal e estadual. O art. 3º da Constituição Federal diz que: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. O art. 14 da Constituição Estadual do Ceará coloca que: “O Estado do Ceará, pessoa jurídica de direito público interno, exerce em seu território as competências que, explícita ou implicitamente, não lhe sejam vedadas pela Constituição Federal, observados o seguinte princípio - defesa da igualdade e combate a qualquer forma de discriminação em razão de nacionalidade, condição e local de nascimento, raça, cor, religião, origem étnica, convicção política ou filosófica, deficiência física ou mental, doença, idade, atividade profissional, estado civil, classe social, sexo e orientação sexual”;

3º - A falaciosa expressão ideologia de gênero presente em alguns planos educacionais é uma expressão criada no interior de uma parte conservadora da Igreja Católica e no movimento pró-vida e pró-família que, no Brasil, parece estar centralizado num site chamado Observatório Interamericano de Biopolítica. O termo é usado em 1998, em uma Conferência Episcopal da Igreja Católica realizada no Peru. Seus criadores se baseiam em dois livros para compor essa narrativa. Primeiro, no livro de Dale O’Leary intitulado Agenda de gênero, de 1996. O’Leary é uma militante pró-vida que participou das Conferências da ONU (do Cairo em 1994 e de Pequim em 1995) como delegada. Ela faz um relato dessas conferências, descreve, sob o seu ponto de vista, a ação das feministas em apresentar o conceito gênero e como, a partir dali, a ONU assume a chamada perspectiva de gênero para as políticas públicas sobre os direitos das mulheres. O outro referencial usado na construção dessa narrativa é o livro de Jorge Scala, cuja primeira edição é intitulada Ideologia de gênero: o gênero como ferramenta de poder, de 2010, que no Brasil, curiosamente, é intitulado Ideologia de gênero – o neototalitarismo e a morte da família, de 2015. O autor é um advogado argentino, conhecido defensor contra os direitos das mulheres, membro do movimento pró-vida, que apresenta uma série de interpretações dos estudos de gênero, extremamente problemáticas e convenientemente articuladas para desqualificar tais estudos e apresentá-los como danosos para a sociedade (FONTE: Furlani, 2016 disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5ro1O10l0v8&t=318s). Essa criminosa e desumanizadora “ideologia de gênero” faz parte de um projeto maior, o Escola Sem Partido que foi retirado de votação do Senado durante essa semana (https://www.revistaforum.com.br/2017/12/08/projeto-escola-sem-partido-e-arquivado-no-senado/) e foi revogado por ser inconstitucional no único estado brasileiro onde ele chegou a ser “implementado” (https://educacao.uol.com.br/noticias/2017/03/22/stf-suspende-lei-de-alagoas-que-pune-opiniao-de-professor-em-sala-de-aula.htm);

4º - Por outro lado 47% dos estudantes brasileiros já sofreram algum tipo de bullying na escola (por aparência, orientação sexual ou pela sua feminilidade/masculinidade – expressões de gênero); 20% dos estudantes brasileiros rejeitam colegas de classe homossexuais, bissexuais e/ou transexuais; 60% dos estudantes brasileiros LGBT se sentem insegurxs na escola em função da sua orientação sexual; 39% das estudantes brasileiras já sofreram preconceito na escola por serem mulheres. Todos esses dados estão postos nas pesquisas a seguir:

  • Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, IBGE, 2015;
  • Juventudes Na Escola, Sentidos e Buscas: Por que Frequentam?, Flacso/OEI/MEC, 2015;
  • Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional Brasileiro, ABGLT, 2016;
  • #meninapodetudo – machismo e violência contra a mulher na juventude, Agência Enóis, 2015.

5º - Para além da falácia da “ideologia de gênero”, a sociedade brasileira vive realidades concretas: 43 mil mulheres assassinadas na última década, 96% dos jovens brasileiros admitem a existência do machismo no Brasil mas boa parte ainda aprova valores machistas e reprova comportamentos não conservadores da mulher, 78% das jovens brasileiras já foram assediadas em locais públicos, 43% dos jovens presenciaram a mãe ser agredida, 37% das mulheres já tiveram relações sexuais sem camisinha por insistência do parceiro. Esses e tantos outros dados disponíveis na pesquisa Violência contra a mulher: o jovem está ligado? do Instituto Avon/Data Folha evidenciam a violência contra a mulher, os relacionamentos abusivos e a cultura do estupro cada vez mais presente em nossos valores sociais; no Brasil, um homem comete suicídio 4 x mais que as mulheres (ONU Mulheres) fruto da masculinidade tôxica que distorce a concepção de masculinidade desde a mais tenra infância (homem não chora, se apanha, bate, deve iniciar a vida sexual logo que entra na puberdade, pode e deve ter várias parceiras sexuais e na fase adulta é quem deve prover a família); a cada 28h, 1 LGBT é barbaramente assassinado no país; a expectativa de vida de uma pessoa transexual/travesti é de apenas 35 anos (Grupo Gay da Bahia); de 2006 a 2015, o número de brasileiros infectados pelo vírus da AIDS saltou, na faixa etária de 15 a 19 anos, de 2,4 para 6,9 para cada cem mil habitantes (Ministério da Saúde).

6º - Por tudo isso e muito mais que pretendo escrever em outros textos indago a você que está lendo esse texto até aqui: A ESCOLA PRECISA OU NÃO FALAR DE GÊNERO E SEXUALIDADE?
Pensemos (...)


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*Homero Henrique de Souza é professor da rede estadual do Ceará e mestrando em Políticas Públicas Educacionais

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Municípios cearenses na Avaliação de Alfabetização

Não é de hoje que o trabalho de alfabetização de crianças na idade certa desenvolvido pelos municípios cearenses é reconhecido nacionalmente. Mais uma vez, a Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), coordenada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), revela um desempenho diferenciado dos estudantes do Ceará.

Participaram dessa avaliação alunos que cursavam em 2016 o 3º ano do ensino fundamental, em média com 8 anos de idade, e foram aplicados instrumentos de aferição da leitura, da escrita e do conhecimento em Matemática. Todos os 184 municípios do estado tiveram crianças avaliadas.

Neste texto, volto o olhar para o resultado do desempenho das crianças na Escrita. Na ANA, os estudantes foram identificados em cinco níveis, sendo os níveis 1, 2 e 3 considerados como insuficientes e os níveis 4 e 5 considerados como suficientes. No padrão suficiente, considera-se que os alunos escrevem palavras com diferentes estruturas silábicas e produzem textos atendendo à proposta de dar continuidade a uma narrativa, entre outras competências mais sofisticadas.

Nessa dimensão, 105 municípios tiveram 70% ou mais dos seus alunos com desempenho considerado suficiente, acima do percentual do Brasil neste padrão, que foi de 66,15%. Entre estas cidades, destaca-se Fortaleza, em que 76% das 17.020 crianças avaliadas ficaram nos níveis considerados suficientes na escrita.

Registre-se que apenas cinco municípios obtiveram percentuais abaixo de 50% dos alunos no padrão de proficiência Suficiente. O que se destaca nesta informação é que os sistemas municipais do Ceará alcançam resultados que demonstraram uma considerável redução das desigualdades educacionais entre as regiões.

É bem verdade que ainda não temos a totalidade das crianças aprendendo o esperado para esta série. Mas, é importante observar que o cenário educacional relacionado à alfabetização no Ceará vem se desenvolvendo bem acima da média nacional, num ritmo consistente, e que por isso precisa ser visto como uma conquista.


Rogers Mendes

Coordenador de Gestão Pedagógica da Secretaria da Educação do Estado do Ceará (Seduc)

Publicado no Jornal O Povo em 6 de novembro de 2017.

https://mobile.opovo.com.br/jornal/opiniao/2017/11/municipios-cearenses-na-avaliacao-de-alfabetizacao.html

terça-feira, 26 de setembro de 2017

NEM UM A MENOS: o exemplo de Sucupira para o Brasil



O ensino médio público de qualidade para todos precisa superar os desafios relacionados ao acesso de todos os jovens à escola, com professores qualificados e valorizados que possibilitem aprendizagem significativa para o desenvolvimento da autonomia.

De acordo com estudo realizado pela Cátedra Ayrton Senna, no INSPER, aproximadamente 24% dos estudantes entre 15 e 17 anos estavam fora da escola, de 2012 a 2014, o que coloca o Brasil no ranking mundial dos países que mais excluem. Em Sucupira encontramos essa mesma realidade, na qual 20 % dos jovens estão nesta situação representando 60 mil estudantes que deveriam cursar e concluir o ensino médio. Dentre os estados que estão enfrentando este cenário, Sucupira se destaca pelo desenvolvimento do programa Nem um a menos. O programa compreende a busca ativa de alunos fora da escola como uma estratégia de superação, também relacionada à permanência e ao sucesso dos estudantes.

Somado a isso o estado elegeu como uma de suas prioridades a formação continuada de professores, ofertando programas de formação específicos para a atuação no ensino médio. A proposta de formação foi construída de modo colaborativo com os profissionais e as universidades na perspectiva de utilizar metodologias ativas voltadas para os estudantes que ingressaram na escola por meio do programa. Além disso, para reconhecer o engajamento dos professores, Sucupira revisou seu plano de cargos e carreiras do magistério equiparando-os ao piso salarial de profissionais de nível superior e estabeleceu um 14º salário ao final do ano letivo para os profissionais que atuaram nas escolas cujos alunos concluíram o Ensino Médio.

Uma outra experiência de Sucupira inspiradora para outros estados, é que o programa renova as propostas curriculares e pedagógicas por meio da garantia da base comum curricular e da oferta da flexibilização de percursos de formação de escolha do aluno. Um exemplo desse modelo é o que acontece na Escola Estadual de Ensino Médio Maria José dos Santos que melhorou seus indicadores de conclusão e aprovação por meio de percursos voltados para formação em Arte e Cultura, Meio Ambiente, Projetos Sociais e Empreendedorismo, Comunicação e Mídia e Preparação para a Sociedade.

O que se pode aprender a partir dessa experiência? Para superar os desafios do ensino médio no Brasil e possibilitar todas essas melhorias, o Estado precisa assumir um sério compromisso político, com vistas a garantir o direito de aprendizagem de nossos jovens, apoiado pelo engajamento dos profissionais da educação e dos alunos, reconhecendo-os como atores importantes dessa mudança.


Autores:
Luzia América Lima, Secretaria de Estado da Educação de Tocantins
Albelita Monteiro, Secretaria de Estado da Educação do Maranhão
M. Elizabete de Araújo, Secretaria de Estado da Educação do Ceará
Hebert Gomes da Silva, Secretaria de Estado da Educação de São Paulo
Gilvania Guimarães, Secretaria de Estado da Educação de Sergipe
Nildete Melo, Secretaria de Estado da Educação de Roraíma
Júlia Siqueiras da Rocha, Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina
Hadaquel da Silva Alcantara, Secretaria de Estado da Educação do Amazonas
Wolmar, Secretaria de Estado da Educação do Espírito Santo

Ensino Médio no Brasil: uma análise estratégica




Ressignificar o ensino médio, última etapa da educação básica, é um desafio que está posto para todos os estados do Brasil. Levando em consideração as dimensões continentais do país, as peculiaridades de cada região e a estagnação dos resultados educacionais percebidos nessa etapa, fica evidente a necessidade de mobilizarmos esforços para implementação de Políticas Públicas Educacionais que garantam aos jovens o acesso, a permanência e a conclusão com êxito.

Entendendo a educação como um processo de formação ao longo da vida, o jovem no ensino médio precisa ser estimulado a prática do protagonismo de modo que desenvolva um conjunto de competências e habilidades que o instrumentalizem para tomar decisões focadas no seu projeto de vida.

Nesse sentido, a Lei 13.415 de 16 de fevereiro de 2017 destaca três eixos norteadores de mudanças para o ensino médio: flexibilização curricular, tempo integral e educação técnica profissional. Nessa perspectiva, os sistemas estaduais de ensino deverão se organizar a fim de pensar uma agenda estratégica que considere possíveis modelos de desenvolvimento do ensino médio e planos de implementação que garantam a materialidade das mudanças em curso.

Diante disso, as Secretarias Estaduais de Educação precisarão investir em Planejamento Estratégico considerando, no primeiro momento, a análise de tendências externas, identificando possíveis agrupamentos territoriais e suas respectivas demandas para o ensino médio. Em seguida, realizará a análise interna de suas forças, fraquezas, ameaças e oportunidades, levantará seus principais parceiros institucionais com vistas ao desenho do mapa estratégico da instituição e a definição das diretrizes de implementação.

Todo esse movimento, em torno da mudança do ensino médio, mobiliza a sociedade e as instituições para o debate acerca de temáticas relevantes que contribuam para compreensão da educação como estratégia para superação da crise estrutural do Brasil.


Autores:
Cassiano Ogliari, Secretaria de Estado da Educação do Paraná
Fernanda Lima, Secretaria de Estado da Educação do Rio de Janeiro
Jamille Aguiar, Secretaria de Estado da Educação de Sergipe
Joseane Figueiredo, Secretaria de Estado da Educação do Pará
Mari Elisa Almeida, Secretaria de Estado da Educação do Pará
Maria Medeiros, Secretaria de Estado da Educação de Pernambuco

Sobre o direito de aprender



A Educação Básica, como alicerce de formação, tem no Ensino Médio espaço de construção de saberes que não podem prescindir de priorizar seus protagonistas, os jovens. Para isso, é preciso garantir acesso, progresso e aprendizagem, projeto de vida, articulado com as necessidades desses jovens, e flexibilização de percursos formativos que proporcione direito de escolhas de cada sujeito.

Ainda no século XXI, no Brasil, 2,2 milhões de jovens de 15 a 17 anos estão fora da escola, 22% do total. Além disso, dos que frequentam, 22% são reprovados a cada ano, especialmente na 1ª série. A proficiência em Língua Portuguesa e Matemática ainda ocupa o degrau mais baixo na escala de aprendizagem. Reconhecer que o IDEB, Índice de Desenvolvimento da Educação Básica está estagnado desde 2009, é também reconhecer que as políticas públicas precisam ampliar as oportunidades e garantir o desenvolvimento de habilidades técnicas, cognitivas e socioemocionais.

Soma-se a isso a necessidade de proporcionar ao jovem, no século XXI, a construção do seu projeto de vida para que possa contribuir significativamente na sociedade e, paralelamente, propor a si mesmo uma visão qualitativa de futuro, ou seja, o jovem precisa ter na escola um legítimo espaço da construção da cidadania e de sua formação integral.

Nesse sentido, o Ensino Médio brasileiro deve potencializar a possibilidade de escolha do campo de interesse do jovem. Desse modo, a escola deve oferecer possíveis trilhas que levem o estudante a identificar seu percurso e consolidar sua autonomia.

Assim, o Ensino Médio, como etapa importante da formação cidadã, tem um objetivo nobre e claro: conduzir o jovem ao mundo de possibilidades que ele tem direito e para isso as políticas educacionais necessitam de um olhar sério e engajado que garanta a todos e a cada um, aprendizagem de qualidade.


Autores:
Gabriel Gomes - Secretaria de Estado da Educação da Paraíba
João Peres - Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte de Goiás
Nayra Colombo - Secretaria de Estado de Educação e Esporte do Acre
Regina Rodrigues - Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte de Goiás
Sirley Damian - Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina
Tereza Farias - Secretaria de Educação do Estado da Bahia

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

O ensino médio brasileiro pode ser mais efetivo





O ensino médio brasileiro tem sido alvo de muitas críticas nos últimos anos, oriundas de diferentes segmentos da sociedade. Sejam especialistas ou pais de alunos, todos coadunam com a ideia de que é preciso reestruturar esta etapa da educação básica. A principal delas diz respeito ao atual modelo da oferta de ensino, pois, não consegue corresponder às expectativas dos jovens, o que pode ser constatado pelos altos índices de abandono e resultado insuficiente do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Fatores associados ao tempo escolar, um pouco mais de quatro horas por dia; a não vinculação com o mundo do trabalho; e o currículo rígido são apontados como os maiores responsáveis pelo baixo engajamento dos jovens no ensino médio.

Comparado aos países com um sistema educacional considerado mais eficiente que o brasileiro, o tempo médio em que os estudantes permanecem durante o dia na escola é superior a seis horas. Para o Brasil, a ampliação da carga-horária permitiria às escolas, em potência, desenvolverem um projeto pedagógico mais dinâmico, além de, considerando registros de situações de vulnerabilidade social de muitos alunos, esta ampliação de tempo permitiria maior proteção social a eles, possibilitando mais oportunidades de desenvolvimento cognitivo e socioemocional, coerentes com a perspectiva da educação integral.

Um outro aspecto importante para ser considerado é a articulação do ensino médio ao mundo do trabalho. Mesmo já sinalizado pela Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional, no cotidiano escolar, temos muitas dificuldades de identificar a associação das aprendizagens e às necessidades para inserção nas complexas relações do trabalho, sejam relacionadas ao setor produtivo, empreendedorismo etc. Modelos de educação profissional integrado ao ensino médio estão em desenvolvimento em alguns sistemas de ensino e indicam forte incidência na satisfação dos estudantes.

Por se tratar de uma etapa de ensino que atende às juventudes brasileiras, que enxergam a escola a partir da sua história de vida e perspectiva de futuro, de modo que esta instituição não tem o mesmo significado para todos da mesma forma. Isto posto, um currículo rígido, concebido para ser ministrado com a mesma carga-horária para todos, é um aspecto que não dialoga bem com essas características. Assim, com a possibilidade de organizar o currículo do ensino médio permitindo escolhas sobre o que estudar e como estudar, teríamos condições de estruturar um modelo mais antenado aos projetos de vida dos estudantes.

Atualmente, está em discussão os termos apresentados na Lei nº 13. 415 de 16 de fevereiro de 2017, conhecido como a Reforma do Ensino Médio. Em linhas gerais, as três dimensões apontadas neste texto estão presentes na lei mencionada. Todavia, é preciso que os educadores brasileiros se envolvam proativamente neste debate para que as propostas ganhem consistência nos processos educativos. Além do mais, as questões de infraestrutura das escolas, formação de profissionais da educação, bem como condições de trabalho são imprescindíveis para promover uma reforma no ensino médio que possa ser convertida em práticas coesas e que consiga proporcionar melhores referências de aprendizagem dos estudantes.


Autores:
Daniel Marinho - Secretaria de Estado da Educação de Alagoas
Eliane Maria - Secretaria de Estado da Educação do Amapá
Elinaldo Silva - Instituto Estadual de Educação Ciências e Tecnologia do Maranhão
Renato Lopes - Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais.
Rogers Mendes - Secretaria da Educação do Ceará
Silvânia Gregório Carlos - Secretaria de Estado da Educação de Rondônia

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Aprendizagem de todos os estudantes é possível quando se tem um bom acompanhamento pedagógico

De verdade, acredito que todas as pessoas são capazes de desenvolver aprendizagem escolar. Não acredito em vocação inata para os estudos, na história de que nem todos nasceram para "se dar bem" na educação formal.

A não aprendizagem, quando se registra, deve-se a muitos fatores, de todas as ordens, internas e externas à escola, e que não são, absolutamente, determinantes. Mas há um fator, muitas vezes mencionado, que não consigo levar adiante: desinteresse deliberado do estudante.

Com esta premissa posta, tenho a convicção de que uma escola que possua um currículo bem estruturado; uma noção clara dos saberes e competências primordiais que devem ser desenvolvidos com prioridade; que conta com um serviço pedagógico fortemente munido de instrumentos de acompanhamento da aprendizagem de modo individualizado e com um bom repertório de intervenções pedagógicas, consegue ensinar com qualidade aos estudantes tudo aquilo que se propõe para sua idade e série, mesmo àqueles que entram na vida escolar carregando todas as controvérsias de uma uma vida econômica e social desafiadora.

Não faltam exemplos para corroborar com esta minha convicção. Mesmo no Brasil. Mesmo na educação pública. Até porque não estou falando a partir de uma utopia, mas baseado em pesquisas que conseguem identificar características de funcionamento escolar que dá efetividade ao processo de aprendizagem.

A grande questão é que insistimos em colocar na conta do estudante o "fracasso escolar", principalmente quando chegam ao ensino médio. Ora como vítima por ter passado pelas etapas anteriores sem aprender a ler, escrever e a fazer cálculos elementares; ora por não manifestar, simplesmente, o interesse pela escola.

Por outro lado, quando o estudante se destaca, embora se reconheça o esforço individual, atribui-se à escola "o sucesso". Essa divisão de ônus e bônus no processo de aprendizagem e ensino não é razoável. Podemos ir além da noção de herói e vilão e construir uma visão compartilhada de esforços individuais dos estudantes e responsabilidades institucionais da escola.

Rubem Alves sintetizou bem o processo de ensino e aprendizagem usando a seguinte referência metafórica: "Esta é a regra fundamental desse computador que vive no corpo humano: só vai para a memória aquilo que é objeto do desejo. A tarefa primordial do professor: seduzir o aluno para que ele deseje e, desejando, aprenda."

O desejo, que Rubem Alves trata, se cria ou se fortalece pela alimentação da esperança, em outras palavras, de que se pode aprender quando temos ao dispor um trabalho pedagógico bem sistematizado e o envolvimento do estudante no processo educativo. É um desejo que se educa, não um desejo que se desenvolve naturalmente.

Quando o estudante tem à sua disposição uma estrutura pedagógica fundamentada na premissa de que a escola faz a diferença na vida das pessoas, em que todas as dimensões associadas ao processo de aprendizagem são assistidas intencionalmente, a partir de um projeto pedagógico direcionado para a aprendizagem de todos, as chances de se ter um bom desempenho escolar são muito promissoras.

Agora, por outro lado, ao se concluir que a instituição escolar é impotente para desenvolver seu projeto pedagógico frente ao histórico de reprovações de alguns estudantes, que gerou distorção série-idade ou porque o fizeram acreditar que a escola não foi feita para muitos deles, enterra-se boa parte das oportunidades educacionais.

Nessa perspectiva, a escola precisa, em linhas gerais:

- Estabelecer, em seu currículo, o que todos os alunos devem aprender. Quero dizer com isso que a tarefa essencial da escola não é cumprir o sumário dos livros numa ansiedade de dar conta de todo o conhecimento estruturado. Mais do que o domínio de informações sobre os assuntos abordados em todos os componentes curriculares, os estudantes precisam ser instigados a processar o saber, maturá-lo, ao invés de escutar aulas;

- Com a definição do currículo essencial, estrutura-se um processo contínuo de avaliação. Enquanto o processo pedagógico estiver marcado por avaliações que identificam o quanto se memorizou em cada disciplina, aplicadas de forma pontual, dificilmente se garantirá um processo intencional de aprendizagem para todos;

- E para este circuito funcionar, é importante que o serviço de acompanhamento pedagógico seja guiado para apoiar os professores em seu processo de ensino, trazendo como principal insumo, neste apoio ao professor, o desempenho acadêmico de cada estudante.

A lista acima não é um receituário, mas uma indicação que precisamos ter foco no processo de aprendizagem a partir de um método de acompanhamento pedagógico bem definido e pactuado com todos os sujeitos envolvidos com a implementação do projeto escolar: gestão, professores, alunos e pais.

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

A escola e as Competências para a Vida (Parte 2)

http://www.playground-inovacao.com.br/category/brincar-inovacao/

A escola é uma instituição social que lida com as pessoas nos momentos mais críticos da trajetória de construção da personalidade. Com este pressuposto definido, cabe a esta instituição se conceber politicamente para o desenvolvimento integral dos estudantes, considerando as dimensões cognitivas, relacionais, afetivas, culturais e sociais que compõem o imaginário das pessoas, além de dar intencionalidade pedagógica em seu projeto formativo.

Na escola que temos, construída sob o pilar do desenvolvimento industrial e forjada nos princípios da modernidade, estruturaram-se processos de ensino para cuidar, quase que exclusivamente, das aprendizagens de um currículo de base científica, com especial atenção à língua materna e matemática, o que é muito importante, mas que não dedica a devida atenção ao turbilhão de incertezas inerente ao processo de socialização e a construção da identidade pessoal, tendo como contexto uma teia social cada vez mais complexa, e, portanto, mais desafiadora para os estudantes.

Os dilemas sobre a vida são postos para todos nós na idade escolar. Na cabeça de jovens que cursam o ensino médio, muitas questões existenciais ficam pairando em seus pensamentos, questões do tipo: quem sou eu? onde estou? para onde quero ir? estou conseguindo aceitar a mim mesmo frente aos padrões já estabelecidos na sociedade, na minha comunidade? meus colegas me aceitam como eu me sonho? quem se importa com a minha felicidade? o que é mais importante, viver o agora ou me preparar para o amanhã?, entre muitas outras.

Essas questões, por mais que haja esforço para respondê-las, para maturá-las, ficam dando voltas no imaginário juvenil, gerando crises de identidade, de autoimagem, além de uma busca frenética pelo Eu na selva pantanosa das incertezas relacionais. Trabalhar as dimensões socioemocionais, além do desenvolvimento da aprendizagem dos conteúdos já considerados clássicos, neste contexto, é muito importante e pode significar o vínculo ou não dos jovens com a proposta formativa da escola.

Numa entrevista concedida ao jornal O Povo, em 21 de agosto de 2017, o pesquisador belga Filip de Fruyt disse que "a escola é um playground interessante para, literalmente, se exercitar e desenvolver as habilidades socioemocionais." Nesta perspectiva, espera-se da escola um trabalho pedagógico de base holística, em que o cognitivo e as competências socioemocionais componham o processo de aprendizagem e desenvolvimento. Visto desta forma, o que se convencionou denominar de competências socioemocionais não são conteúdos a serem ensinados, mas se configura como parte importante do desenvolvimento integral das pessoas na perspectiva de uma proposta pedagógica que não aparta o cognitivo de outras dimensões caras à socialização e à construção da identidade pessoal.

É importante observar que não defendo a introdução da agenda de desenvolvimento das competências socioemocionais na escola com vistas, simplesmente, à adequação a um por vir, isto é, como meio de preparar o jovem para o mundo do trabalho, mas, substancialmente, como estratégia a ser incorporada no currículo escolar para que os jovens se sintam acolhidos numa proposta educativa que dialoga com suas necessidades do presente, do seu tempo. A escola que fala somente de um futuro, das necessidades de se preparar para a fase adulta, produtiva, tem grande dificuldade em se conectar com os interesses e necessidades dos jovens.

Os pesquisadores Paulo Carrano e Carlos Henrique Martins, no texto A escola diante das culturas juvenis: reconhecer para dialogar, afirmam que "Os jovens possuem um significativo campo de autonomia perante as instituições do denominado 'mundo adulto' para construir seus próprios acervos e identidades culturais." Dialogando com estes pesquisadores, a proposta pedagógica precisa estar fundada na premissa de que, para se ter estudantes motivados a aprender o que se definiu no currículo, é necessário reconhecer as culturas juvenis, suas expressões, e trazer o jovem por inteiro para participar da sua aprendizagem. Isso quer dizer que, em vez de buscar a construção de um ser humano idealizado, a escola precisa ser capaz de estabelecer diálogo com as variadas manifestações dos jovens e construir um itinerário formativo que os ajude no complexo processo de desenvolvimento.

A escola que queremos precisa se organizar para ajudar os estudantes a viverem suas incertezas. Banalizá-las e, consequentemente, ignorá-las, dizendo: "essa fase vai passar", oficializa o desrespeito ao momento que os jovens estão passando e que precisa ser vivido com toda a intensidade característica desse momento. É função da escola, nesse sentido, orientar os jovens para o fortalecimento de uma visão de si mesmos fundada na solidariedade, na resiliência, na abertura ao novo etc. O protagonismo do jovem na escola, portanto, precisa ser aguçado, estimulado, para que tenhamos em nossa sociedade pessoas mais empoderadas, com projetos de vida que expressem uma visão conciliadora entre o "quem sou" e a "visão de mundo e de futuro".

Diante desta narrativa, a escola não pode se mostrar insensível aos anseios pessoais dos jovens. Entre suas intencionalidades formativas, a escola deve direcionar esforços pedagógicos para ajudar os estudantes a dialogarem consigo mesmos, a viverem sua cultura juvenil, em vez de expor aos estudantes um padrão educacional que os direciona para viver um futuro idealizado, por demais abstrato.

sexta-feira, 26 de maio de 2017

A escola e as Competências para a Vida (Parte 1)


Em uma discussão recente ocorrida durante o seminário Competências para a Vida, realizado em Fortaleza nos dias 23 e 24 de maio deste ano, o professor Maurício Holanda, Ex-Secretário da Educação do Ceará, fez referência a três perguntas atribuídas ao judeu Hilel (60 a.C.-9 d.C.): "Se eu não for por mim, quem o será? Mas, se eu for só por mim, que serei eu? Se não agora, quando?"

A partir destas​ perguntas, começarei a discorrer sobre o tema "Escola e as Competências para a Vida" numa sequência de textos a serem publicados neste blog.

Não tenho pretensão de fazer um resgate histórico para tentar explicar as motivações de Hilel para elaborar essas perguntas e o seu contexto. Vou aproveitá-las para refletir sobre a escola e sua função de promover o desenvolvimento integral das pessoas.

Tenho clareza que são temas de reflexão para cada pessoa em sua individualidade. No entanto, parto do princípio de que são questões norteadoras para a elaboração de um currículo escolar e práticas pedagógicas que têm a intencionalidade de fazer que os jovens consigam se reconhecer como sujeitos, protagonistas de suas vidas acadêmicas, profissionais e afetivas.

Didaticamente, comentarei cada pergunta separadamente:

1) Se eu não for por mim, quem o será?

Já fui insistentemente claro em textos anteriores: à escola não compete apenas o ensino de conteúdos, a transmissão de saberes; espera-se também desta instituição a estruturação de um trabalho pedagógico que considere as múltiplas dimensões da vida com vistas ao desenvolvimento da pessoa humana, à formação de cidadãos plenos.

No processo educativo, a transmissão de conhecimento não é um aspecto “natural”. Ora, todos se relacionam com informações e processam-nas em conhecimento a partir de sua visão de mundo e necessidades sistematizadas. Em outras palavras, para aprender bem o que nos propõem a ensinar, o "objeto" a ser aprendido deve estar relacionado ao projeto individual de desenvolvimento de cada estudante.

Estou falando que, se o jovem não for por ele, ninguém o será, ou ninguém o conseguirá ser. Primeira missão pedagógica da escola, portanto, é ajudar ao estudante a se reconhecer como protagonista de sua vida e buscar consolidar sua identidade pessoal, de modo que o jovem pense no seu processo de aprendizagem assumindo responsabilidades​ para sua realização, ao contrário de delegar isso a outro que se esforça para ensiná-lo.

2) Mas se eu for só por mim, que serei eu?

Depois de ajudar cada estudante a desenvolver​ sua autoimagem, sua identidade, seu projeto de vida, é preciso ajudá-los a compreender que não se está só no mundo. A felicidade de cada um está associada, inevitavelmente, à felicidade do outro.

Vive-se numa "modernidade líquida", à luz de Zygmunt Bauman, em que predomina a perspectiva de associar felicidade a conquistas de bens de consumo, de caráter efêmero, passageiro, constituído em teias de relações sociais superficiais, intensificado pela comunicação utilizando a internet.

Todas as pessoas precisam aprender, e isso deve acontecer na escola de forma organizada e intencional, que uma outra condição de socialização é possível. É preciso que se assegurem os vínculos entre as pessoas e o fortalecimento do engajamento à vida coletiva, tendo em vista desenvolver a identidade comunitária.

3) Se não agora, quando?

De forma bastante equivocada, estrutura-se a escola para dar conta de um "por vir", de um futuro. É verdade que esta dimensão precisa estar viva no trabalho das escolas. Entretanto, fundamentalmente, os jovens precisam compreender e desenvolver as dimensões das duas perguntas anteriores no tempo da escola, no tempo de "ser jovem".

"Um dia você vai dar valor a escola..." diz-se em momentos que os alunos cometem algum ato de displicência e indisciplina. Não basta apontar as consequências do "não dar valor a escola". Cada instituição escolar precisa ajudar a vincular o projeto de vida dos jovens às atividades de aprendizagem.

A juventude geralmente é vista pejorativamente como fase da transição, somente. Essa é uma visão que leva a escola a ignorar o momento da vida juvenil e a criar um clima escolar distante dos anseios dessas pessoas.

Concluindo...

Diante dessas reflexões, tenho a convicção de que o tema "Escola e as Competências para a Vida" deve ganhar relevância nas discussões para a construção de uma instituição pensada para e com os jovens que na perspectiva da educação integral.

terça-feira, 23 de maio de 2017

Rogers Mendes: "Por que estimular alunos da rede pública a fazerem o Enem?"

Desde que o Enem ganhou o atual formato, passando a ser um instrumento utilizado por muitas universidades para acesso ao ensino superior, a Secretaria da Educação do Ceará, por meio de sua rede de escolas, vem estimulando a inscrição e a frequência dos alunos que concluem o Ensino Médio neste exame nacional.

São muitos os esforços para apoiar os estudantes neste processo. Com antecedência, os jovens são orientados a providenciarem a documentação necessária para a inscrição e a realização das provas; as pessoas e os equipamentos das escolas ficam à disposição para a inscrição; é realizada uma série de ações de motivação e de complemento da preparação para o exame; no que ficou denominado Dia “E”, no dia das provas, é arquitetada uma logística para apoiar a presença dos alunos nos locais de aplicação; e quando o resultado sai, mais uma vez, as escolas se estruturam para que os estudantes concorram a vagas nas universidades.

Não por acaso, em 2017, registra-se acima de 98% dos alunos que concluem a 3ª série na rede estadual inscritos.

Mas por que destacar a forte adesão ao Enem? Não se trata de um processo “normal” e que acontece em todo o Brasil? É possível destacar três dimensões a reitero da importância deste feito:

1) inscrever-se no Enem não é, ainda, uma atitude de todos estudantes das escolas públicas brasileiras. Em muitos estados, menos da metade dos estudantes das redes públicas inscrevem-se. A baixa expectativa dos estudantes em se sair bem neste exame afasta os jovens das provas. Portanto, quando o Ceará alcança este percentual, tem-se um forte indício de que os estudantes sentem-se estimulados por professores e gestores escolares a acreditarem em si mesmos, em seu processo de aprendizagem;

2) as competências e as habilidades cobradas nas provas de cada área do conhecimento no Enem não esgotam o currículo escolar do Ensino Médio, mas o processo de preparação estimula a manutenção de um pacto educativo entre professores e estudantes. Esta sinergia não é pouca coisa, permite a abertura para aprofundamento dos estudos e, por conseguinte, melhores resultados acadêmicos;

3) um dos aspectos verificados nos sistemas de ensino do mundo todo para criação de um bom clima escolar, capaz de gerar mais aprendizagem, está relacionado a altas expectativas que os professores demonstram ter de seus alunos. Muitos estudantes até dizem no momento da inscrição que não querem fazer o Enem, não querem entrar na universidade, mas são convencidos a se inscreverem a partir da forte presença e influência de gestores e professores nesta decisão.

Dessa forma, ter praticamente a totalidade dos alunos inscrita no Enem é um bom sinal para dias melhores na educação pública cearense.


Rogers Mendes

Coordenador de Gestão Pedagógica da Secretaria da Educação do Estado do Ceará (Seduc)

Publicado no Jornal O povo em 23 de maio de 2017. http://www.opovo.com.br/jornal/opiniao/2017/05/rogers-mendes-por-que-estimular-alunos-da-rede-publica-a-fazerem-o-e.html

quarta-feira, 19 de abril de 2017

O protagonismo docente e a escrita de artigos e livros

Os poetas populares sempre dizem, quando estão diante de uma situação que inspira seus versos: "vou aproveitar o mote".  E começam a declamar. Não sou poeta, mas ontem, 18, ao vivenciar o lançando da Revista DoCEntes, da Secretaria da Educação do Ceará, e de 5 obras escritas por professores desta rede, fiquei com a necessidade de escrever sobre o que esta ação tem a ver com o processo de fortalecimento das práticas docentes.

De imediato, relaciono três consequências deste tipo de política para os professores:

1) É uma forma de reconhecimento e valorização. Demonstramos que alguém tem valor inestimável para nós quando o ouvimos atentamente, olhamos no olho. Ao publicar artigos na revista e apoiar a escrita de livros, a mensagem é a de que o que os professores têm a dizer é muito importante e é preciso fazer chegar aos seus pares e a sociedade;

2) Os professores que se desafiam a sistematizar suas reflexões, sua arte literária, desenvolvem uma aprendizagem profissional que reflete em maior confiança para o desenvolvimento da atividade docente. Ensinar baseado no que se escreve é uma condição a ser buscada por todos os educadores. Afinal de contas, professor é sujeito de seu tempo e precisa dar sua versão a respeito do que se propõe a ensinar;

3) Professores autores tendem a consolidar a prática pedagógica que educa os jovens para a autonomia intelectual. A educação pelo exemplo é a mais consistente pedagogia já desenvolvida em todos os tempos. Alunos orgulhosos de seus mestres é uma motivação ímpar para continuar estudando com seriedade, pois o que se faz com o estudo está materializado nas obras de seus professores.

A autoria e o trabalho docente são intrínsecos. Paulo Freire, em seu livro Pedagogia da Autonomia, traz insistentemente a ideia de que "Ensinar exige pesquisa". Traduzo esta indicação do grande Freire relacionando-a ao exercício reflexivo que dá origem a artigos científicos, a obras literárias. 

Professores que se imbrincam com seu objeto de pesquisa, para além da necessidade de concluir etapas acadêmicas, constroem uma rotina de autoformação que muito contribuirá com a sua ação docente na educação básica.

Nesta perspectiva, todos os professores são convidados a sistematizar suas reflexões, suas experiências, suas ideias para contos, poemas, romances e etc. 

É cada vez mais evidente que o esforço em melhorar as condições de ensino passa pelo estímulo do protagonismo docente.

sexta-feira, 24 de março de 2017

Qual o contexto para se falar de reforma do ensino médio?

Antes de entrar no tema principal deste artigo, preciso fazer duas ressalvas, entre muitas possíveis, a respeito do que se convencionou chamar, no Brasil, de "crise" do Ensino Médio, em especial do sistema público:

1-) Categorizar como em crise uma etapa da educação básica isoladamente, quando muitas questões relacionadas a educação infantil e ao ensino fundamental precisam ser melhor geridas, leva-nos a uma miopia analítica;

2-) A conclusão de que o excesso de disciplinas, tidas como obrigatórias, é a causa principal do problema relacionado ao desinteresse dos estudantes pela escola, é outra questão que simplifica, perigosamente, o diagnóstico.

O fenômeno da proficiência insuficiente dos jovens que concluem o Ensino Médio não é provocado pelo fenômeno da "desaprendizagem" que ocorre ao longo dos três anos deste nível de ensino. Claro que isso não existe. É apenas uma provocação!

A baixa proficiência é resultado, essencialmente, do baixo domínio da língua materna, mesmo após os estudantes terem passado pelas séries do Ensino Fundamental. Não se pode desprezar o fato de que, como mostra dados da Prova Brasil de 2015, apenas 30% dos estudantes ingressam no Ensino Médio com a proficiência considerada adequada em língua portuguesa. Além disso, também em 2015, 31% dos estudantes da 1ª série do Ensino Médio, no Brasil, de acordo com dados do Educacenso, estavam em distorção idade-série.

O não desenvolvimento pleno do domínio da língua materna gera, desde os primeiros anos de escolarização, alto índice de reprovação, e consequente distorção idade-série. É evidente que os sistemas de ensino precisam organizar pedagogicamente as escolas das crianças para garantir o bom processo de alfabetização, sem o qual, a escolarização é comprometida nas demais etapas.

Esse longo preâmbulo não tem a intensão de justificar o travamento de qualquer tentativa para melhorar a estrutura curricular do Ensino Médio. Nada disso! Trata-se apenas de um esforço para dar contexto ao debate público a respeito do que se batizou recentemente de reforma.

Quem pensa o Ensino Médio nas escolas públicas precisa considerar essas questões, sim. Ora, as escolas consideradas "excelentes" a partir dos resultados em avaliações externas e pelo desempenho médio dos seus estudantes no ENEM, mesmo com todas a disciplinas obrigatórias, reúnem duas características em comum: a proficiência de quase a totalidade de quem entra na 1ª série do EM pode ser considerada adequada; e o índice de distorção idade-série é próximo a zero.

Flexibilização curricular, neste momento histórico, mais do que se restringir às possibilidades de diversificação dos itinerários formativos dos estudantes, que é muito importante para se consolidar a escola das juventudes, precisa servir, indubitavelmente, ao propósito da redução das desigualdades educacionais. 

Em outras palavras, oportunizar o trabalho pedagógico diferenciado para os estudantes que ainda têm baixa proficiência na língua materna ao longo do Ensino Médio, deve ser considerada como o grande mote desse processo de flexibilização do currículo e dos tempos escolares. 

Ao considerar esta realidade, ganha força o argumento de que seguir o ritmo das disciplinas que se organizam com a mesma carga horária para todos os estudantes, agrava consideravelmente as condições de acesso a uma educação de qualidade. 

A fragmentação do currículo contribui para que os jovens com baixa proficiência não se adequem ao regime de trabalho disciplinar rigoroso e abandonem os estudos precocemente ou, se persistirem, experimentem o desabor da reprovação.

Mais importante do que pensar em diversificar os itinerários formativos, no entanto, é estruturar uma escola que não seja negligente nos casos em que os estudantes mais precisam do acompanhando dos profissionais do ensino: quando ainda não desenvolveram a competência leitora que é pré-requesito para se estudar autonomamente.

Sem esta percepção basilar, itinerários diversificados e a diminuição de tempo da base nacional comum curricular podem significar redução de oportunidades de aprendizagem.

quarta-feira, 15 de março de 2017

Sobre "Escola sem Partido"


Audiência Pública sobre o Projeto de Lei "Escola sem Partido", em 14 de março de 2017



Ontem, 14, estive na Câmara dos Deputados, em Brasília, para acompanhar Audiência Pública da Comissão que discute a PEC que torna o FUNDEB permanente. Agenda importante para a educação pública brasileira!

Mas andando pelo corredor das salas das comissões, vi numa placa uma outra Audiência Pública da Comissão que discute o Projeto de Lei "Escola sem Partido", que altera a LBD, e decidi entrar para ver o conteúdo. Estava no momento da fala da Carina Vitral, presidente da UNE, quando defendia que a escola deve ser plural. Tenso!

Pessoas levantavam cartazes do tipo: "escolas somente com disciplinas" e fiquei pensando num movimento equivalente na saúde com a mesma lógica e acho que o lema seria assim: "hospital sem conversa".

A pessoa chega com uma uma dor ou sintomas de uma doença e o médico, sem perguntar nada sobre o histórico, sem diagnóstico, aplica uma injeção parar "curar", como se os procedimentos fossem todos consensos entre os profissionais da saúde, e só tivesse uma forma de lidar com a situação.

E na prática sabemos que não é assim. Médicos divergem entre si e apresentam, muitas vezes, prognósticos e propostas de tratamento muito diferentes. Ainda bem! Os pacientes, por conta disso, podem escolher, na sua humilde perspectiva, qual o melhor tratamento a seguir.

Não entendo relações sociais sem diálogo e expressão dos pontos de vista e crenças dos sujeitos que interagem. Na educação não vejo como um professor tornar-se estritamente "técnico" e não discutir o pluralismo de ideias coexistentes e que ignore a identidade de gênero, como querem os idealizadores desse movimento, e que estão expressos nesse Projeto de Lei.

Os estudantes precisam desenvolver a criticidade e devem conviver num ambiente em que o debate de ideias esteja estruturado pedagogicamente.

segunda-feira, 13 de março de 2017

Novas perspectivas para a educação na contemporaneidade: os estudantes

No artigo que tratei sobre novas perspectivas para a organização do trabalho docente, abordei as questões relacionadas à necessidade de se considerar o processo transicional de dois aspectos, inspirado numa palestra de António Nóvoa realizada em julho de 2016 no Instituto Ayrton Senna, em São Paulo: do individual para o coletivo; de uma pedagogia frontal para uma pedagogia do trabalho.

Agora tratarei sobre as mudanças sugeridas pelo mesmo pesquisador a respeito da participação dos estudantes no processo de aprendizagem, considerando o advento de uma nova pedagogia: a do trabalho. Nesta estrutura pedagógica, o estudante não somente "escuta aula", mas assume o protagonismo a partir da sistematização de sua curiosidade e busca, pela pesquisa científica e outros métodos de trabalho escolar que requerem a participação ativa do estudante, construir novas aprendizagens de modo a desenvolver as dimensões do "Aprender a Aprender" e do "Aprender a Fazer".

Nóvoa aponta, da mesma forma que o fez para os professores, duas mudanças na forma de organização do trabalho dos estudantes frente aos novos desafios da aprendizagem escolar: de uma arrumação orgânica dos alunos para uma diversidade de formas de estudos e de trabalho; de uma atitude imóvel para uma aprendizagem baseada na cooperação.

É importante ressaltar que António Nóvoa expressa em seus textos e palestras sua crença de que a escola, da forma que a conhecemos, dividida em compartimentos que são chamados de sala de aula e baseada no desfile de conteúdos a cada 50 minutos, está em processo de desconstrução. Esta escola, assim constituída, não consegue desenvolver uma educação integral dos sujeitos. Por isso, repensá-la, é uma questão posta na agenda do dia dos educadores.

Com este esclarecimento, a primeira transição apontada por Nóvoa: "de uma arrumação orgânica dos alunos para uma diversidade de formas de estudos e de trabalho", desafia professores e gestores a pensar em novos arranjos pedagógicos e sobre a organização dos espaços de modo a refletir oportunidades de aprendizagens mais consistentes para os estudantes.

O currículo escolar pode ser trabalhado além da sala de aula e de discursos ou palestras. A diversidade de formas de estudo e de trabalho pode ser traduzida na disposição dos estudantes em grupos de pesquisa, na aprendizagem cooperativa, em interação com pessoas da comunidade, em aulas de campo, na participação de debates estruturados, em clubes estudantis, em componentes eletivos, entre muitas outras possibilidades.

Enfim, exige a concepção de uma escola dinâmica, baseada em conteúdos que são passíveis de interações e vivências, em que a aprendizagem acontece mais pela orientação dos professores do que pelo "ensino", restrito à sala de aula.

A segunda dimensão, "de uma atitude imóvel para uma aprendizagem baseada na cooperação", fica apontado a premissa de que o estudo não tem razão de ser uma tarefa isolada. Entendo que a busca pelo "primeiro lugar", tão valorizada na famigerada "meritocracia", mesmo numa sociedade tão desigual como a brasileira, sinaliza o contrário: o individualismo. O colega, antes de ser um amigo, é um concorrente. Lamentável!

Neste cenário, a cooperação muitas vezes é vista, preconceituosamente, como atraso. Dizem os pessimistas e adeptos da pedagogia da concorrência: os alunos que já estão bem nos estudos podem se atrasar na interação com os colegas com mais dificuldades. Ora, frases como essas sinalizam ou não uma competição? Uma corrida para ver quem chega mais longe e em primeiro lugar?

A cooperação entre os estudantes é um dos elementos estruturantes da educação integral e os coloca numa mesma vibe: inclusiva e solidária. A cooperação, nesta perspectiva, é um ato de rebeldia contra a anomia provocada nos estudantes ao aprenderem algo que não pode ser compartilhado, apenas aprendido para se sair bem nos testes cognitivos.

A aprendizagem escolar deve representar a autonomia intelectual, a capacidade de aprender ao longo das vida. Assim, a escola tem o dever de simular os desafios que são apresentados aos cidadãos de uma sociedade casa vez mais mais complexa, fundada no conhecimento e nas tensões provocadas pela convivência de ideologias tão divergentes.

segunda-feira, 6 de março de 2017

Ensino Médio em Tempo Integral - mais oportunidades

A rede estadual de ensino do Ceará passará a contar a partir de 2017 com 187 escolas de Ensino Médio em tempo integral. Dessas, 116 ofertam o Ensino Médio integrado à Educação Profissional e 71 o ensino médio regular. Com esta ampliação, de cada quatro instituições de ensino do Estado, uma funcionará em tempo integral, caminhando, dessa forma, a passos firmes para o alcance da meta 6 do Plano Estadual de Educação, o qual estabelece que 50% das escolas públicas, até 2024, funcionem em regime integral.

O Ensino Médio é a última etapa da Educação Básica, e também a mais complexa. O grande desafio é o desenvolvimento de um currículo que se articule com os projetos de vida dos jovens estudantes, de modo a proporcionar uma educação repleta de sentido. Considerando esta análise, é muito importante que haja uma diversificação dos itinerários formativos. Nas Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, que no Estado do Ceará funcionam com 45 horas semanais, essa premissa pode se materializar com mais possibilidades.

No caso das Escolas Estaduais de Educação Profissional, em funcionamento desde 2008, o estudante cursa de forma integrada o Ensino Médio e uma formação técnico-profissional. Assim, o estudante conclui este nível de ensino com boas chances de ingresso no mundo trabalho. Com este modelo curricular, a rede pública estadual experimentou o 1º ciclo de escolas de Ensino Médio em Tempo Integral.

A partir de 2016, 26 escolas iniciaram a oferta de Ensino Médio regular em tempo integral, passando a 71 em 2017. Neste 2º ciclo, um novo modelo curricular vem sendo desenvolvido. Além do estudo dos conteúdos clássicos relacionados à Base Nacional Comum Curricular, a vivência de atividades no Núcleo Trabalho, Pesquisa e Práticas Sociais (NTPPS) e a oportunidade de os estudantes escolherem componentes curriculares eletivos, de acordo com seus interesses e necessidades, são os grandes diferenciais da proposta.

No NTPPS, o estudante vivencia oficinas que subsidiam a construção do seu projeto de vida; desenvolve competências socioemocionais; e ainda aprende a construir saberes por meio da aplicação do método científico. Ao escolherem os componentes curriculares eletivos, os alunos compõem um itinerário formativo que melhor dialoga com suas perspectivas expressas em seu projeto de vida.

Dessa forma, o tempo integral amplia as oportunidades de aprendizagem dos estudantes e contribui para a permanência dos jovens na escola e o sucesso acadêmico.


Artigo publicado no jornal O Povo, em 06 de março de 2017.
Para acessar o Artigo no site do Jornal, clique Aqui

sábado, 18 de fevereiro de 2017

Novas perspectivas para a educação na contemporaneidade: o trabalho docente

Pensar na organização pedagógica que melhor dialoga com as necessidades de promover aprendizagem significativa na escola, exige que façamos o exercício de mudar algumas perspectivas sobre o trabalho dos professores.

Antonio Nóvoa, pesquisador português que nos ajuda a ver novas possibilidades de organização escolar, sinaliza que os docentes precisam empreender duas mudanças importantes, de caráter transicional, a saber: do individual para o coletivo; de uma pedagogia frontal para uma pedagogia do trabalho. Este artigo tratará destes dois movimentos de transição.

Muitos professores trabalham numa mesma escola. No entanto, a aula e sua preparação são, na maioria dos casos, um ato individual. Se a dimensão da aula é a transmissão de informações, sem conexão com o projeto político pedagógico da escola e sem vínculo com a visão de formação integral, a forma como está não requer mudanças. Mas se o compromisso da escola é a formação baseada na integração dos saberes de modo a dar mais condições aos estudantes de ler o mundo e se encantar com as descobertas sistematizadas ao longo das gerações humanas, o trabalho coletivo dos professores é uma condição inquestionável.

Experiências mundo a fora relacionadas ao incentivo e organização do trabalho coletivo dos professores demonstram mais potencial em desenvolver a profissionalização docente.

A tarefa de educar é complexa. Nem sempre o método que é utilizado em sala de aula é o mais adequado para o perfil e necessidades dos estudantes. Daí a importância de se ter bons feedbacks dos pares quando se desenvolve um plano de aprendizagem.

Um grupo de professores ao prepararem as mesmas sequências didáticas e acompanharem a execução do plano pelo colega permite uma interação e fortalecimento da parceria pedagógica para aperfeiçoar o trabalho docente. Além disso, a tão sonhada integração dos saberes escolares, de modo a torná-los significativos, necessita de uma preparação integrada das atividades estruturadas para os estudantes.

Sobre a pedagogia frontal versus a pedagogia do trabalho, é preciso partir da seguinte reflexão: é coerente dar a resposta de uma pergunta que ainda não foi feita? Estranho!

Mas é isso que se faz cotidianamente na escola. Dá-se uma explicação genérica sobre um assunto relacionado a algum componente curricular, de forma ampla e até certo ponto superficial, e depois se faz perguntas de "fixação" do conhecimento. Isso não é lógico e nem muito menos didático.

O conhecimento científico inicia com uma pergunta, o problema; depois se faz o levantamento de hipóteses com base no que já se sabe a respeito; na sequência se faz leituras sobre as descobertas já sistematizadas por outras pessoas até que, por fim; chega-se a uma conclusão aceitável sobre a questão levantada, podendo até surgir novas teses. Esse é o circuito da pedagogia do trabalho, que se confunde com o método científico, no qual o estudante é instigado a buscar o conhecimento, com vistas a "Aprender a Aprender".

Perceba que a pedagogia do trabalho é a oposição da pedagogia bancária, tão denunciada por Paulo Freire, mas que se vê repetida nas salas de aula na contemporaneidade, contrariando um princípio presente em praticamente todos os projetos políticos pedagógicos das escolas: formar cidadãos críticos e reflexivos.

Criticidade e reflexão não se desenvolve ao ouvirmos aulas, exposições, embora sejam importantes também. Essas dimensões caras para a educação libertadora, baseada na autonomia intelectual, são aprendidas pela vivência, pela busca da sistematização do conhecimento para o qual os estudantes precisam ser preparados.

Enquanto as aulas forem baseadas na memorização de conceitos vagos, teremos uma educação pouco significativa para os jovens.

De todo modo, estas desejadas mudanças de paradigmas não ocorrem naturalmente. É preciso uma intensa discussão em cada escola com o objetivo de responder a seguinte pergunta: a escola onde trabalho está desenvolvendo uma proposta pedagógica articulada a necessidade de formar cidadãos capazes de continuar aprendendo ao longo da vida, de modo a interagir na sociedade do conhecimento?

sábado, 4 de fevereiro de 2017

Escola em Tempo Integral: Articulação com o Projeto de Vida

O princípio pedagógico da simultaneidade, no qual, em síntese, a educação acontece na crença de que os estudantes postos numa sala de aula são capazes de aprender em função da exposição de conteúdos para todos ao mesmo tempo, encontra seus limites quando concebemos uma escola na perspectiva de promotora de uma formação integral.

A partir do século XIX, inicia-se no mundo a empreitada de proporcionar educação formal a totalidade das crianças e jovens por meio de instituições de ensino. Estava em voga o desenvolvimento do sistema sofisticado de produção capitalista e, para implementá-lo, necessitava de pessoas com noções da língua culta, matemática e de outros conhecimentos "úteis" à atividade produtiva moderna. A educação em "massa", nesse contexto, exigia novos métodos pedagógicos que substituíssem a relação de ensino-aprendizagem milenar como a mentoria, relação de mestre e discípulo, que era uma prática quase "um a um", ou seja, para cada estudante, um professor; e que nessa perspectiva de universalização da educação formal, era inviável.

A partir dessa necessidade de educação para todos, estruturou-se um regime mais padronizado de ensino, a partir da sistematização de conteúdos básicos que deviam ser ensinados a todos, utilizando-se a organização de disciplinas de modo que o conhecimento chegasse aos estudantes. Daí porquê algumas metáforas são utilizadas associando a escola moderna com uma linha de produção fabril.

É importante fazer aqui uma ressalva: esse modelo começa a atender as pessoas de acordo com as condições econômicas da família. Os primeiros beneficiados desse sistema de ensino foram os mais ricos até, que na última etapa de inclusão, chegaram a esta escola os mais pobres. No Brasil, esse processo foi mais demorado para ser implementado e somente na década de 1990 começamos a registrar os primeiros indicadores de universalização da matrícula de crianças com idade escolar no ensino fundamental. Essa informação é apenas para contextualizar o que insistentemente denominamos de "crise" do ensino público. Adiante!

Não conto esta história para desqualificar o esforço de levar a educação formal a um número maior de pessoas. Reconheço que ter acesso ao conhecimento produzido e sistematizado pela humanidade ao longo de milhares de anos está consolidado como direito graças a esse fenômeno. Mas é preciso compreender também que vivemos novos tempos e tornou-se necessário repensar a organização escolar de modo a reconhecer a singularidade de cada sujeito. O ensino "massificado" deve dar lugar a aprendizagem "pessoalizada".

É com base nesta análise que acho extremamente oportuno tratar, de forma mais séria e com a intencionalidade devida, de projeto de vida e plano de estudo de cada estudante. A escola, definitivamente, precisa ser espaço para o desenvolvimento pleno das pessoas. Assim, reconhecendo os interesses e necessidades de aprendizagem manifestas nos projetos de vida, abre-se espaço para o desenvolvimento de itinerários formativos diversificados, compatíveis com os múltiplos anseios das juventudes e suas perspectivas de futuro.

O tempo integral permite que esta diversificação de itinerários, principalmente por meio da oportunidade que cada estudante tem de trilhar caminhos específicos com a composição de componentes curriculares eletivos em sua jornada escolar, proporcione uma formação significativa e articulada com a identidade que cada jovem constrói de si mesmo.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Escola em Tempo Integral: mais oportunidades de aprendizagem

A experiência de aprendizagem dos jovens do ensino médio precisa ser dinâmica. Monotonia e superficialidade é um convite a dispersão.

Não se deve entender o "dinâmico" como estímulo ao movimento físico, apenas. Estou me referindo ao método didático em que a escola envolve os estudantes em circuitos de aprendizagem estruturados, cujos recursos pedagógicos são diversificados e que dialogam com uma nova leitura da organização do espaço e do conhecimento.

Com o Tempo Integral, mais do que as aulas expositivas, que continuam tendo seu lugar na agenda educativa, deseja-se que haja diversificação das atividades pedagógicas fundadas na pedagogia ativa, proporcionando o desenvolvimento de uma aprendizagem com sentido, do Aprender a Aprender, por meio do domínio do método científico e estudos cooperativos.

Nesse sentido, é preciso investir na intensidade e aprofundamento dos temas curriculares. Mais importante do que quantidade de conteúdos ministrados, é a compreensão que os estudantes desenvolvem sobre o seu processo de aprendizagem.

Definitivamente, o Tempo Integral deve significar a ruptura da visão pedagógica que dá ênfase a "memorização", na qual o esforço da escola é ampliar a capacidade do estudante de guardar informações relacionadas às disciplinas para "se dá bem" nas provas, para uma intencionalidade pedagógica que vislumbra a "autonomia intelectual", em que o estudante é orientado a estruturar seu processo de aprendizagem, seu método de estudo.

A autonomia intelectual, nestas circunstâncias, está relacionada ao conceito de aprendizagem ao longo da vida. Por conta da extraordinária capacidade de gerar novos conhecimentos que a sociedade contemporânea possui, exige-se do cidadão mais do que um certificado de conclusão da educação básica ou superior, espera-se que as pessoas possam beber diretamente na fonte do conhecimento e continuar a participar ativamente da elaboração de novos saberes, com capacidade para analisar criticamente o turbilhão de informações que surgem em suas "timelines".

Seguindo esta concepção, é muito importante a incorporação da pesquisa como método pedagógico. Uma educação emancipacionista está focada em ajudar os estudantes a elaborarem boas perguntas que valham a pena serem exploradas.

A escola que não busca a autonomia intelectual dá aulas baseada na transmissão de informações, ou seja, faz os estudantes memorizarem respostas de perguntas que nem mesmo chegaram a fazer.

A educação baseada simplesmente na transmissão de informações e conceitos não é suficiente para que os estudantes tenham a escola na sua conta de estratégica para o alcance da visão de futuro expressa nos seus projetos de vida.

Portanto, mais tempo na escola não pode representar "mais do mesmo". Deve, sim, significar mais oportunidades de aprendizagem.

sábado, 21 de janeiro de 2017

Educação pública em cooperação com os municípios: o exemplo do Ceará

A educação pública é uma agenda complexa em qualquer lugar do mundo. Mas em países com as dimensões territoriais do Brasil, as estratégias para garantir o direito à educação de qualidade para todos precisam ser criativas e pautada num assertivo comprometimento político. Não à toa, a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação discorrem sobre a divisão de responsabilidades entre os entes federados, tendo em vista se construir instâncias de governança para investimento focado e acompanhamento temático, no caso da educação, de cada nível de ensino.

A questão central desse debate no Brasil é que essa divisão de responsabilidades não veio acompanhada, efetivamente, de uma estrutura de cooperação técnica e financeira entre as esferas do poder público. Não é por falta de esforço. Muitos programas foram desenhados nas diversas áreas na busca de criar tal cooperação. Não é fácil encontrar a medida certa entre o apoio, o respeito à autonomia do ente federado e a pactuação de resultados. A cooperação que nos referimos, portanto, deve ser concebida numa perspectiva de corresponsabilização pela agenda pública em análise.

No Ceará, em 2007, instituiu-se um desenho de política pública que temos na conta de inovador quanto ao estabelecimento de um efetivo pacto de cooperação entre o estado e todos os 184 municípios para alfabetização das crianças até o segundo ano de escolarização. A seguir, descreveremos, em linhas gerais, os principais processos relacionados a esta cooperação.

Primeiro, o diagnóstico. Em 2004, foi instituído o Comitê Cearense para a Eliminação do Analfabetismo Escolar, composto pela Assembleia Legislativa, UNICEF, APRECE, UNDIME/CE, INEP/MEC, e Universidades Cearenses: UECE, UFC, UVA, URCA e UNIFOR. Uma das ações foi a realização de um diagnóstico do nível de alfabetização em um grupo de crianças que terminaram a 1ª série do ensino fundamental - hoje esta série corresponde ao 2º ano, crianças com 7 anos de idade - , em 360 escolas públicas de 36 municípios. Dessa amostra, 85% não conseguiram ler um pequeno texto de forma adequada e menos da metade das crianças escreveram um texto simples.

Segundo, a definição do foco para pactuação de resultados. Com o problema identificado, e dando continuidade a uma iniciativa da APRECE, UNIDIME e UNICEF que criaram o Programa Alfabetização na Idade Certa (PAIC), o governo do Estado assumiu, em 2007, a responsabilidade de mobilizar os municípios para trabalhar um tema muito específico: a alfabetização de todas as crianças até os 7 anos de idade, ao término do 2º ano do ensino fundamental. O alcance do resultado não era responsabilidade apenas de cada município, mas do Estado, também.

Terceiro, sistematização do apoio técnico. Foi criada uma Coordenadoria na Secretaria da Educação voltada especificamente para a Cooperação com os Municípios. Para apoiar as Secretarias Municipais, criou-se cinco eixos de atuação: gestão da educação municipal; avaliação externa; alfabetização; educação infantil; literatura infantil e formação do leitor. Com essa estrutura, os municípios passaram a receber acompanhamento processual para a implementação de ações em rede com foco na alfabetização. Além das ações sistêmicas, as escolas com melhores resultados passaram a ser reconhecidas com o Prêmio Escola Nota 10 e foram desafiadas a apoiar outras escolas com desempenho que requeria melhoria.

Quarto, engajamento do chefe do executivo. A complexidade dessa agenda exige a atenção e liderança do chefe do executivo. Para estimular este engajamento, foi alterado a Lei que regula a redistribuição do ICMS. Na nova regra, 18% dos 25% do produto de arrecadação deste imposto que são distribuídos aos municípios passaram a considerar os resultados da avaliação de desempenho dos alunos do 2º e 5º anos e a taxa de aprovação das séries iniciais do ensino fundamental. Esta fórmula fez com que a pasta da educação fosse assumida por pessoas com perfil técnico, elevando a profissionalização dos serviços educacionais, com o monitoramento permanente do prefeito em relação aos resultados. Ora, a educação podia proporcionar aumento ou diminuição de recursos para o município.

O Ideb de 2015 mostrou que esse desenho de cooperação conseguiu resultados expressivos. Enquanto a meta do Ideb de 2015 para os anos iniciais da rede pública do Ceará apontava 4,2, alcançou-se 5,7, e todos os municípios superaram suas respectivas metas. É importante destacar dois dados: em 2005, o Ideb dos anos iniciais da rede pública do Ceará era 2,8 e a meta para 2021 era de 5,1. Não resta dúvida de que o ritmo de crescimento do Ceará em comparação aos demais Estados foi bastante diferenciado, aproximando-se dos resultados obtidos por Estados situados em regiões brasileiras mais desenvolvidas economicamente.

Esta política vem se revelando uma das mais bem sucedidas estratégias de correção da distorção idade-série. Crianças alfabetizadas nos primeiros anos de escolarização ampliam significativamente as chances de sucesso nas demais etapas da educação básica.

A principal lição que este desenho de política pública traz é que a educação precisa ser vista como um processo integrado. Diante do enorme desafio para oferecer uma educação verdadeiramente de qualidade, inclusiva, que garanta o direito à aprendizagem a todos, é importante que haja a pactuação de compromissos nacionais, que se afirme como eixo condutor da cooperação entre os entes federados. No caso cearense, alfabetizar crianças na idade certa foi o primeiro passo para se consolidar a expectativa de qualidade educacional. Por um tempo, essa foi "a agenda" que canalizou a energia e recursos prioritariamente.

O nosso argumento principal é que ações de cooperação requerem a pactuação para alcance de um objetivo claro, socialmente aceito, e que seja ampliado com o tempo. Depois de 9 anos de desenvolvimento do Programa, por exemplo, já é possível ampliar os objetivos, expandindo ações e recursos adicionais para as demais etapas do ensino fundamental.

Artigo publicado no Nexo, em 17 de janeiro de 2017.
Clique aqui para acessar a publicação.

sábado, 14 de janeiro de 2017

Escola em Tempo Integral: oportunidade para promover equidade

Imagem: https://ares.unasus.gov.br/acervo/bitstream/handle/ARES/2346/igual-equi.jpg?sequence=1&isAllowed=y

Uma escola pautada nos princípios republicanos precisa se estruturar para garantir aprendizagem a todos os estudantes... A todos. Vou repetir isso sempre!

Esse princípio deve guiar escolas públicas que funcionam em qualquer regime de tempo: 4 ou 9h diárias. Mas é no tempo integral que pode se criar a oportunidade de estruturar uma educação menos "massificada" e mais focada no acompanhamento individual dos estudantes e que apresente uma proposta pedagógica que permita o acompanhamento da aprendizagem de cada sujeito.

O tempo integral, em processo de consolidação como política pública educacional no Brasil, deve ser uma oportunidade para acompanhamento do desenvolvimento individual para a efetiva inclusão ao direito de aprender dos alunos.

Ao contrário do que é tentador pensar por conta de nossa trajetória como aluno e professor: tempo integral não deve ser apenas a oportunidade de "ver" toda a matéria de cada disciplina já que o tempo parcial não permite. Esse seria um objetivo muito limitado e míope.

Pensar o tempo integral apenas como condição de dar mais matéria é estar preso a um conceito esquizofrênico que define educação de qualidade tendo como referência a quantidade de conteúdos ministrados em cada disciplina, e não no que é realmente relevante se aprender. Nesse modelo, se os conteúdos foram efetivamente aprendidos, é um detalhe. Ministrá-los, é suficiente!

Somos tentados a ofertar educação do mérito, que reconhece os "melhores" e "despreza" os que ficam para trás. Ora, o "fracasso" escolar, da mesma forma que a corrupção, infelizmente, é tolerado em nosso querido Brasil. Esse paradigma precisa ser quebrado. É preciso ser intolerante a essas duas mazelas!

Uma alternativa em uso em algumas escolas para não deixar ninguém para trás é o nivelamento. A própria palavra é inadequada para um processo educativo, mas sua prática é ainda mais ineficiente.

No desenvolvimento do "nivelamento", caricaturalmente, é oferecido novamente aulas de conteúdos básicos de leitura e raciocínio lógico por um tempo, preferencialmente nos primeiros dias de aula do ano, e após esse período se define que os alunos estão preparados para dar continuidade aos conteúdos do currículo da escola.

Essa estratégia, perdão aos praticantes, não dialoga bem com a necessidade de promoção da equidade. Isso porque é dado esse tratamento "diferenciado" novamente para "todos" e na lógica de transmissão de conteúdos, no mesmo formato que não foi suficiente para a aprendizagem dessas competências em anos anteriores.

Do que é preciso, então?

Sem a pretensão de esgotar possibilidades, cito alguns elementos práticos que podem compor um plano de promoção da equidade na escola:

1. Elaborar uma matriz de referência de competências basilares que todo aluno precisa dominar no que diz respeito a língua materna e raciocínio lógico, adequado a cada etapa de escolarização. Essa matriz precisa ser de conhecimento de todos na escola, principalmente dos alunos.

2. Desenvolver instrumentos de sondagem e avaliação contínua para acompanhar o desenvolvimento dos estudantes ao longo do tempo. (Não somente no período do nivelamento, quando houver).

3. Promover acompanhamento pedagógico diferenciado para quem precisa de mais atenção ao longo de todo o processo educativo, em qualquer série que o aluno esteja cursando. Ter um currículo flexível, com eletivas, ajuda nesse processo de desenvolvimento do trabalho pedagógico mais personalizado a cada estudante.

O tema equidade renderá muitas discussões ainda. E tomara que seja assim. Se o objetivo principal da oferta do tempo integral não for a promoção da equidade, estaremos perdendo uma grande oportunidade de construirmos um modelo pedagógico verdadeiramente democrático e republicano.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Reprovação não devia ser uma possibilidade numa educação de qualidade (Parte 2)

Sistemas educacionais que conseguem proporcionar as melhores oportunidades de aprendizagem têm um elemento em comum: as escolas acompanham a aprendizagem numa perspectiva diagnóstica e processual, com foco em identificar o domínio das competências essenciais da língua materna, bem como das relacionadas ao raciocínio lógico matemático, e estão preparadas para prover atendimento diferenciado aos estudantes quando necessário.

A justificativa para esse acompanhamento da aprendizagem de forma sistemática é simples: a reprovação não está no horizonte dos profissionais da escola e nem dos estudantes. Ao invés da propagação do medo da possível reprovação - que na maioria dos casos é usada como fator "motivacional" para que os alunos estudem o "suficiente" e prestem a atenção nas aulas ministradas - o único objetivo deve ser o sucesso acadêmico. Este princípio é muito difícil de ser implementado num regime educacional autoritário e fechado, como o brasileiro. Mas é possível identificar movimentos no país na direção de quebrar esse paradigma, o que é bastante animador.

Adotando essa perspectiva, o "fracasso" escolar não deve ser visto com normalidade. Sua ocorrência evidencia, em tese, as falhas no processo de acompanhamento da aprendizagem e das estratégias de intervenção pedagógica adotadas pela escola, e precisam ser reavaliadas e novamente submetidas a planejamento. Sob esse ponto de vista, é impensável se transferir para o aluno e sua família, simplesmente, a responsabilidade pelo sucesso acadêmico. Afinal de contas, aprender é um direito! E as instituições educacionais precisam se responsabilizar em garantir esse direito.

Isso não é um jogo de palavras. Muito além disso, trata-se de princípios fundantes da prática pedagógica que tem por base um processo acolhedor e inclusivo. O contrário disso é excludente e gerador do elitismo histórico que só aumenta as desigualdades quanto às oportunidades de aprendizagem ao longo da vida.

O Projeto Político Pedagógica que não tem a reprovação em vista precisa ser, necessariamente, flexível. Isso quer dizer que os tempos escolares devem permitir aos estudantes um acompanhamento adequado às suas características, a partir da concepção de propostas didáticas e tempos diferenciados, que possibilitem um trabalho focado no fortalecimento da aprendizagem para que todos os alunos tenham êxito.

Quando a organização dos tempos não é flexível, como promover um ensino adequado aos estudantes considerando os diferentes rendimentos acadêmicos, se todos estão "enquadrados" na mesma referência de tempo e espaço de acordo com a sua série e turma?

Antes que a conclusão do leitor, induzido por esta pergunta, seja de que estou defendendo a enturmação de alunos por nível de rendimento, é melhor esclarecer que não se trata disso. A solução para esta situação é mais complexa. A enturmação por este critério em busca de uma utópica homogeneização de rendimento dos estudantes com o pretexto de melhorar o trabalho pedagógico, tornado-o mais diretivo, é um equívoco e promove, quando implementada, exclusão e diferenciação de tratamento: para uns a excelência, para outros apenas o básico.

O que penso é justamente o contrário: a excelência do ensino, medida pela aprendizagem do que se propõe no currículo, deve ser para todos. A baixa proficiência em leitura e raciocínio lógico, por exemplo, não pode ser um impedimento para o alcance do sucesso escolar. Mas para que não seja de fato um impedimento, a escola precisa ter uma boa estrutura de acompanhamento e capacidade de diferenciar a proposta de ensino de acordo com as necessidades de aprendizagem de cada estudante.

Uma estratégia possível é a flexibilização do currículo e dos tempos de aprendizagem. Neste entendimento, a organização das atividades de aprendizagem deve ter por referência tempos comuns e tempos específicos para grupos de alunos que reúnam interesses por aprofundamentos dos conteúdos estudados ou que necessitem de mais atenção quanto ao desenvolvimento de competências cognitivas necessárias para o bom desempenho escolar.

Neste contexto, flexibilização do currículo, que tanto se fala atualmente, não é apenas uma dinâmica para melhorar o clima escolar. Está associada também a necessidade de criar oportunidade de intensificação dos processos de ensino para os alunos que mais precisam de atenção; e evitar, utilizando de todas os mecanismos possíveis, a reprovação.