A educação pública é uma agenda complexa em qualquer lugar do mundo. Mas em países com as dimensões territoriais do Brasil, as estratégias para garantir o direito à educação de qualidade para todos precisam ser criativas e pautada num assertivo comprometimento político. Não à toa, a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação discorrem sobre a divisão de responsabilidades entre os entes federados, tendo em vista se construir instâncias de governança para investimento focado e acompanhamento temático, no caso da educação, de cada nível de ensino.
A questão central desse debate no Brasil é que essa divisão de responsabilidades não veio acompanhada, efetivamente, de uma estrutura de cooperação técnica e financeira entre as esferas do poder público. Não é por falta de esforço. Muitos programas foram desenhados nas diversas áreas na busca de criar tal cooperação. Não é fácil encontrar a medida certa entre o apoio, o respeito à autonomia do ente federado e a pactuação de resultados. A cooperação que nos referimos, portanto, deve ser concebida numa perspectiva de corresponsabilização pela agenda pública em análise.
No Ceará, em 2007, instituiu-se um desenho de política pública que temos na conta de inovador quanto ao estabelecimento de um efetivo pacto de cooperação entre o estado e todos os 184 municípios para alfabetização das crianças até o segundo ano de escolarização. A seguir, descreveremos, em linhas gerais, os principais processos relacionados a esta cooperação.
Primeiro, o diagnóstico. Em 2004, foi instituído o Comitê Cearense para a Eliminação do Analfabetismo Escolar, composto pela Assembleia Legislativa, UNICEF, APRECE, UNDIME/CE, INEP/MEC, e Universidades Cearenses: UECE, UFC, UVA, URCA e UNIFOR. Uma das ações foi a realização de um diagnóstico do nível de alfabetização em um grupo de crianças que terminaram a 1ª série do ensino fundamental - hoje esta série corresponde ao 2º ano, crianças com 7 anos de idade - , em 360 escolas públicas de 36 municípios. Dessa amostra, 85% não conseguiram ler um pequeno texto de forma adequada e menos da metade das crianças escreveram um texto simples.
Segundo, a definição do foco para pactuação de resultados. Com o problema identificado, e dando continuidade a uma iniciativa da APRECE, UNIDIME e UNICEF que criaram o Programa Alfabetização na Idade Certa (PAIC), o governo do Estado assumiu, em 2007, a responsabilidade de mobilizar os municípios para trabalhar um tema muito específico: a alfabetização de todas as crianças até os 7 anos de idade, ao término do 2º ano do ensino fundamental. O alcance do resultado não era responsabilidade apenas de cada município, mas do Estado, também.
Terceiro, sistematização do apoio técnico. Foi criada uma Coordenadoria na Secretaria da Educação voltada especificamente para a Cooperação com os Municípios. Para apoiar as Secretarias Municipais, criou-se cinco eixos de atuação: gestão da educação municipal; avaliação externa; alfabetização; educação infantil; literatura infantil e formação do leitor. Com essa estrutura, os municípios passaram a receber acompanhamento processual para a implementação de ações em rede com foco na alfabetização. Além das ações sistêmicas, as escolas com melhores resultados passaram a ser reconhecidas com o Prêmio Escola Nota 10 e foram desafiadas a apoiar outras escolas com desempenho que requeria melhoria.
Quarto, engajamento do chefe do executivo. A complexidade dessa agenda exige a atenção e liderança do chefe do executivo. Para estimular este engajamento, foi alterado a Lei que regula a redistribuição do ICMS. Na nova regra, 18% dos 25% do produto de arrecadação deste imposto que são distribuídos aos municípios passaram a considerar os resultados da avaliação de desempenho dos alunos do 2º e 5º anos e a taxa de aprovação das séries iniciais do ensino fundamental. Esta fórmula fez com que a pasta da educação fosse assumida por pessoas com perfil técnico, elevando a profissionalização dos serviços educacionais, com o monitoramento permanente do prefeito em relação aos resultados. Ora, a educação podia proporcionar aumento ou diminuição de recursos para o município.
O Ideb de 2015 mostrou que esse desenho de cooperação conseguiu resultados expressivos. Enquanto a meta do Ideb de 2015 para os anos iniciais da rede pública do Ceará apontava 4,2, alcançou-se 5,7, e todos os municípios superaram suas respectivas metas. É importante destacar dois dados: em 2005, o Ideb dos anos iniciais da rede pública do Ceará era 2,8 e a meta para 2021 era de 5,1. Não resta dúvida de que o ritmo de crescimento do Ceará em comparação aos demais Estados foi bastante diferenciado, aproximando-se dos resultados obtidos por Estados situados em regiões brasileiras mais desenvolvidas economicamente.
Esta política vem se revelando uma das mais bem sucedidas estratégias de correção da distorção idade-série. Crianças alfabetizadas nos primeiros anos de escolarização ampliam significativamente as chances de sucesso nas demais etapas da educação básica.
A principal lição que este desenho de política pública traz é que a educação precisa ser vista como um processo integrado. Diante do enorme desafio para oferecer uma educação verdadeiramente de qualidade, inclusiva, que garanta o direito à aprendizagem a todos, é importante que haja a pactuação de compromissos nacionais, que se afirme como eixo condutor da cooperação entre os entes federados. No caso cearense, alfabetizar crianças na idade certa foi o primeiro passo para se consolidar a expectativa de qualidade educacional. Por um tempo, essa foi "a agenda" que canalizou a energia e recursos prioritariamente.
O nosso argumento principal é que ações de cooperação requerem a pactuação para alcance de um objetivo claro, socialmente aceito, e que seja ampliado com o tempo. Depois de 9 anos de desenvolvimento do Programa, por exemplo, já é possível ampliar os objetivos, expandindo ações e recursos adicionais para as demais etapas do ensino fundamental.
Artigo publicado no Nexo, em 17 de janeiro de 2017.
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