sexta-feira, 24 de março de 2017

Qual o contexto para se falar de reforma do ensino médio?

Antes de entrar no tema principal deste artigo, preciso fazer duas ressalvas, entre muitas possíveis, a respeito do que se convencionou chamar, no Brasil, de "crise" do Ensino Médio, em especial do sistema público:

1-) Categorizar como em crise uma etapa da educação básica isoladamente, quando muitas questões relacionadas a educação infantil e ao ensino fundamental precisam ser melhor geridas, leva-nos a uma miopia analítica;

2-) A conclusão de que o excesso de disciplinas, tidas como obrigatórias, é a causa principal do problema relacionado ao desinteresse dos estudantes pela escola, é outra questão que simplifica, perigosamente, o diagnóstico.

O fenômeno da proficiência insuficiente dos jovens que concluem o Ensino Médio não é provocado pelo fenômeno da "desaprendizagem" que ocorre ao longo dos três anos deste nível de ensino. Claro que isso não existe. É apenas uma provocação!

A baixa proficiência é resultado, essencialmente, do baixo domínio da língua materna, mesmo após os estudantes terem passado pelas séries do Ensino Fundamental. Não se pode desprezar o fato de que, como mostra dados da Prova Brasil de 2015, apenas 30% dos estudantes ingressam no Ensino Médio com a proficiência considerada adequada em língua portuguesa. Além disso, também em 2015, 31% dos estudantes da 1ª série do Ensino Médio, no Brasil, de acordo com dados do Educacenso, estavam em distorção idade-série.

O não desenvolvimento pleno do domínio da língua materna gera, desde os primeiros anos de escolarização, alto índice de reprovação, e consequente distorção idade-série. É evidente que os sistemas de ensino precisam organizar pedagogicamente as escolas das crianças para garantir o bom processo de alfabetização, sem o qual, a escolarização é comprometida nas demais etapas.

Esse longo preâmbulo não tem a intensão de justificar o travamento de qualquer tentativa para melhorar a estrutura curricular do Ensino Médio. Nada disso! Trata-se apenas de um esforço para dar contexto ao debate público a respeito do que se batizou recentemente de reforma.

Quem pensa o Ensino Médio nas escolas públicas precisa considerar essas questões, sim. Ora, as escolas consideradas "excelentes" a partir dos resultados em avaliações externas e pelo desempenho médio dos seus estudantes no ENEM, mesmo com todas a disciplinas obrigatórias, reúnem duas características em comum: a proficiência de quase a totalidade de quem entra na 1ª série do EM pode ser considerada adequada; e o índice de distorção idade-série é próximo a zero.

Flexibilização curricular, neste momento histórico, mais do que se restringir às possibilidades de diversificação dos itinerários formativos dos estudantes, que é muito importante para se consolidar a escola das juventudes, precisa servir, indubitavelmente, ao propósito da redução das desigualdades educacionais. 

Em outras palavras, oportunizar o trabalho pedagógico diferenciado para os estudantes que ainda têm baixa proficiência na língua materna ao longo do Ensino Médio, deve ser considerada como o grande mote desse processo de flexibilização do currículo e dos tempos escolares. 

Ao considerar esta realidade, ganha força o argumento de que seguir o ritmo das disciplinas que se organizam com a mesma carga horária para todos os estudantes, agrava consideravelmente as condições de acesso a uma educação de qualidade. 

A fragmentação do currículo contribui para que os jovens com baixa proficiência não se adequem ao regime de trabalho disciplinar rigoroso e abandonem os estudos precocemente ou, se persistirem, experimentem o desabor da reprovação.

Mais importante do que pensar em diversificar os itinerários formativos, no entanto, é estruturar uma escola que não seja negligente nos casos em que os estudantes mais precisam do acompanhando dos profissionais do ensino: quando ainda não desenvolveram a competência leitora que é pré-requesito para se estudar autonomamente.

Sem esta percepção basilar, itinerários diversificados e a diminuição de tempo da base nacional comum curricular podem significar redução de oportunidades de aprendizagem.

quarta-feira, 15 de março de 2017

Sobre "Escola sem Partido"


Audiência Pública sobre o Projeto de Lei "Escola sem Partido", em 14 de março de 2017



Ontem, 14, estive na Câmara dos Deputados, em Brasília, para acompanhar Audiência Pública da Comissão que discute a PEC que torna o FUNDEB permanente. Agenda importante para a educação pública brasileira!

Mas andando pelo corredor das salas das comissões, vi numa placa uma outra Audiência Pública da Comissão que discute o Projeto de Lei "Escola sem Partido", que altera a LBD, e decidi entrar para ver o conteúdo. Estava no momento da fala da Carina Vitral, presidente da UNE, quando defendia que a escola deve ser plural. Tenso!

Pessoas levantavam cartazes do tipo: "escolas somente com disciplinas" e fiquei pensando num movimento equivalente na saúde com a mesma lógica e acho que o lema seria assim: "hospital sem conversa".

A pessoa chega com uma uma dor ou sintomas de uma doença e o médico, sem perguntar nada sobre o histórico, sem diagnóstico, aplica uma injeção parar "curar", como se os procedimentos fossem todos consensos entre os profissionais da saúde, e só tivesse uma forma de lidar com a situação.

E na prática sabemos que não é assim. Médicos divergem entre si e apresentam, muitas vezes, prognósticos e propostas de tratamento muito diferentes. Ainda bem! Os pacientes, por conta disso, podem escolher, na sua humilde perspectiva, qual o melhor tratamento a seguir.

Não entendo relações sociais sem diálogo e expressão dos pontos de vista e crenças dos sujeitos que interagem. Na educação não vejo como um professor tornar-se estritamente "técnico" e não discutir o pluralismo de ideias coexistentes e que ignore a identidade de gênero, como querem os idealizadores desse movimento, e que estão expressos nesse Projeto de Lei.

Os estudantes precisam desenvolver a criticidade e devem conviver num ambiente em que o debate de ideias esteja estruturado pedagogicamente.

segunda-feira, 13 de março de 2017

Novas perspectivas para a educação na contemporaneidade: os estudantes

No artigo que tratei sobre novas perspectivas para a organização do trabalho docente, abordei as questões relacionadas à necessidade de se considerar o processo transicional de dois aspectos, inspirado numa palestra de António Nóvoa realizada em julho de 2016 no Instituto Ayrton Senna, em São Paulo: do individual para o coletivo; de uma pedagogia frontal para uma pedagogia do trabalho.

Agora tratarei sobre as mudanças sugeridas pelo mesmo pesquisador a respeito da participação dos estudantes no processo de aprendizagem, considerando o advento de uma nova pedagogia: a do trabalho. Nesta estrutura pedagógica, o estudante não somente "escuta aula", mas assume o protagonismo a partir da sistematização de sua curiosidade e busca, pela pesquisa científica e outros métodos de trabalho escolar que requerem a participação ativa do estudante, construir novas aprendizagens de modo a desenvolver as dimensões do "Aprender a Aprender" e do "Aprender a Fazer".

Nóvoa aponta, da mesma forma que o fez para os professores, duas mudanças na forma de organização do trabalho dos estudantes frente aos novos desafios da aprendizagem escolar: de uma arrumação orgânica dos alunos para uma diversidade de formas de estudos e de trabalho; de uma atitude imóvel para uma aprendizagem baseada na cooperação.

É importante ressaltar que António Nóvoa expressa em seus textos e palestras sua crença de que a escola, da forma que a conhecemos, dividida em compartimentos que são chamados de sala de aula e baseada no desfile de conteúdos a cada 50 minutos, está em processo de desconstrução. Esta escola, assim constituída, não consegue desenvolver uma educação integral dos sujeitos. Por isso, repensá-la, é uma questão posta na agenda do dia dos educadores.

Com este esclarecimento, a primeira transição apontada por Nóvoa: "de uma arrumação orgânica dos alunos para uma diversidade de formas de estudos e de trabalho", desafia professores e gestores a pensar em novos arranjos pedagógicos e sobre a organização dos espaços de modo a refletir oportunidades de aprendizagens mais consistentes para os estudantes.

O currículo escolar pode ser trabalhado além da sala de aula e de discursos ou palestras. A diversidade de formas de estudo e de trabalho pode ser traduzida na disposição dos estudantes em grupos de pesquisa, na aprendizagem cooperativa, em interação com pessoas da comunidade, em aulas de campo, na participação de debates estruturados, em clubes estudantis, em componentes eletivos, entre muitas outras possibilidades.

Enfim, exige a concepção de uma escola dinâmica, baseada em conteúdos que são passíveis de interações e vivências, em que a aprendizagem acontece mais pela orientação dos professores do que pelo "ensino", restrito à sala de aula.

A segunda dimensão, "de uma atitude imóvel para uma aprendizagem baseada na cooperação", fica apontado a premissa de que o estudo não tem razão de ser uma tarefa isolada. Entendo que a busca pelo "primeiro lugar", tão valorizada na famigerada "meritocracia", mesmo numa sociedade tão desigual como a brasileira, sinaliza o contrário: o individualismo. O colega, antes de ser um amigo, é um concorrente. Lamentável!

Neste cenário, a cooperação muitas vezes é vista, preconceituosamente, como atraso. Dizem os pessimistas e adeptos da pedagogia da concorrência: os alunos que já estão bem nos estudos podem se atrasar na interação com os colegas com mais dificuldades. Ora, frases como essas sinalizam ou não uma competição? Uma corrida para ver quem chega mais longe e em primeiro lugar?

A cooperação entre os estudantes é um dos elementos estruturantes da educação integral e os coloca numa mesma vibe: inclusiva e solidária. A cooperação, nesta perspectiva, é um ato de rebeldia contra a anomia provocada nos estudantes ao aprenderem algo que não pode ser compartilhado, apenas aprendido para se sair bem nos testes cognitivos.

A aprendizagem escolar deve representar a autonomia intelectual, a capacidade de aprender ao longo das vida. Assim, a escola tem o dever de simular os desafios que são apresentados aos cidadãos de uma sociedade casa vez mais mais complexa, fundada no conhecimento e nas tensões provocadas pela convivência de ideologias tão divergentes.

segunda-feira, 6 de março de 2017

Ensino Médio em Tempo Integral - mais oportunidades

A rede estadual de ensino do Ceará passará a contar a partir de 2017 com 187 escolas de Ensino Médio em tempo integral. Dessas, 116 ofertam o Ensino Médio integrado à Educação Profissional e 71 o ensino médio regular. Com esta ampliação, de cada quatro instituições de ensino do Estado, uma funcionará em tempo integral, caminhando, dessa forma, a passos firmes para o alcance da meta 6 do Plano Estadual de Educação, o qual estabelece que 50% das escolas públicas, até 2024, funcionem em regime integral.

O Ensino Médio é a última etapa da Educação Básica, e também a mais complexa. O grande desafio é o desenvolvimento de um currículo que se articule com os projetos de vida dos jovens estudantes, de modo a proporcionar uma educação repleta de sentido. Considerando esta análise, é muito importante que haja uma diversificação dos itinerários formativos. Nas Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, que no Estado do Ceará funcionam com 45 horas semanais, essa premissa pode se materializar com mais possibilidades.

No caso das Escolas Estaduais de Educação Profissional, em funcionamento desde 2008, o estudante cursa de forma integrada o Ensino Médio e uma formação técnico-profissional. Assim, o estudante conclui este nível de ensino com boas chances de ingresso no mundo trabalho. Com este modelo curricular, a rede pública estadual experimentou o 1º ciclo de escolas de Ensino Médio em Tempo Integral.

A partir de 2016, 26 escolas iniciaram a oferta de Ensino Médio regular em tempo integral, passando a 71 em 2017. Neste 2º ciclo, um novo modelo curricular vem sendo desenvolvido. Além do estudo dos conteúdos clássicos relacionados à Base Nacional Comum Curricular, a vivência de atividades no Núcleo Trabalho, Pesquisa e Práticas Sociais (NTPPS) e a oportunidade de os estudantes escolherem componentes curriculares eletivos, de acordo com seus interesses e necessidades, são os grandes diferenciais da proposta.

No NTPPS, o estudante vivencia oficinas que subsidiam a construção do seu projeto de vida; desenvolve competências socioemocionais; e ainda aprende a construir saberes por meio da aplicação do método científico. Ao escolherem os componentes curriculares eletivos, os alunos compõem um itinerário formativo que melhor dialoga com suas perspectivas expressas em seu projeto de vida.

Dessa forma, o tempo integral amplia as oportunidades de aprendizagem dos estudantes e contribui para a permanência dos jovens na escola e o sucesso acadêmico.


Artigo publicado no jornal O Povo, em 06 de março de 2017.
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