Antes de entrar no tema principal deste artigo, preciso fazer duas ressalvas, entre muitas possíveis, a respeito do que se convencionou chamar, no Brasil, de "crise" do Ensino Médio, em especial do sistema público:
1-) Categorizar como em crise uma etapa da educação básica isoladamente, quando muitas questões relacionadas a educação infantil e ao ensino fundamental precisam ser melhor geridas, leva-nos a uma miopia analítica;
2-) A conclusão de que o excesso de disciplinas, tidas como obrigatórias, é a causa principal do problema relacionado ao desinteresse dos estudantes pela escola, é outra questão que simplifica, perigosamente, o diagnóstico.
O fenômeno da proficiência insuficiente dos jovens que concluem o Ensino Médio não é provocado pelo fenômeno da "desaprendizagem" que ocorre ao longo dos três anos deste nível de ensino. Claro que isso não existe. É apenas uma provocação!
A baixa proficiência é resultado, essencialmente, do baixo domínio da língua materna, mesmo após os estudantes terem passado pelas séries do Ensino Fundamental. Não se pode desprezar o fato de que, como mostra dados da Prova Brasil de 2015, apenas 30% dos estudantes ingressam no Ensino Médio com a proficiência considerada adequada em língua portuguesa. Além disso, também em 2015, 31% dos estudantes da 1ª série do Ensino Médio, no Brasil, de acordo com dados do Educacenso, estavam em distorção idade-série.
O não desenvolvimento pleno do domínio da língua materna gera, desde os primeiros anos de escolarização, alto índice de reprovação, e consequente distorção idade-série. É evidente que os sistemas de ensino precisam organizar pedagogicamente as escolas das crianças para garantir o bom processo de alfabetização, sem o qual, a escolarização é comprometida nas demais etapas.
Esse longo preâmbulo não tem a intensão de justificar o travamento de qualquer tentativa para melhorar a estrutura curricular do Ensino Médio. Nada disso! Trata-se apenas de um esforço para dar contexto ao debate público a respeito do que se batizou recentemente de reforma.
Quem pensa o Ensino Médio nas escolas públicas precisa considerar essas questões, sim. Ora, as escolas consideradas "excelentes" a partir dos resultados em avaliações externas e pelo desempenho médio dos seus estudantes no ENEM, mesmo com todas a disciplinas obrigatórias, reúnem duas características em comum: a proficiência de quase a totalidade de quem entra na 1ª série do EM pode ser considerada adequada; e o índice de distorção idade-série é próximo a zero.
Flexibilização curricular, neste momento histórico, mais do que se restringir às possibilidades de diversificação dos itinerários formativos dos estudantes, que é muito importante para se consolidar a escola das juventudes, precisa servir, indubitavelmente, ao propósito da redução das desigualdades educacionais.
Em outras palavras, oportunizar o trabalho pedagógico diferenciado para os estudantes que ainda têm baixa proficiência na língua materna ao longo do Ensino Médio, deve ser considerada como o grande mote desse processo de flexibilização do currículo e dos tempos escolares.
Ao considerar esta realidade, ganha força o argumento de que seguir o ritmo das disciplinas que se organizam com a mesma carga horária para todos os estudantes, agrava consideravelmente as condições de acesso a uma educação de qualidade.
A fragmentação do currículo contribui para que os jovens com baixa proficiência não se adequem ao regime de trabalho disciplinar rigoroso e abandonem os estudos precocemente ou, se persistirem, experimentem o desabor da reprovação.
Mais importante do que pensar em diversificar os itinerários formativos, no entanto, é estruturar uma escola que não seja negligente nos casos em que os estudantes mais precisam do acompanhando dos profissionais do ensino: quando ainda não desenvolveram a competência leitora que é pré-requesito para se estudar autonomamente.
Sem esta percepção basilar, itinerários diversificados e a diminuição de tempo da base nacional comum curricular podem significar redução de oportunidades de aprendizagem.