quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Aprendizagem de todos os estudantes é possível quando se tem um bom acompanhamento pedagógico

De verdade, acredito que todas as pessoas são capazes de desenvolver aprendizagem escolar. Não acredito em vocação inata para os estudos, na história de que nem todos nasceram para "se dar bem" na educação formal.

A não aprendizagem, quando se registra, deve-se a muitos fatores, de todas as ordens, internas e externas à escola, e que não são, absolutamente, determinantes. Mas há um fator, muitas vezes mencionado, que não consigo levar adiante: desinteresse deliberado do estudante.

Com esta premissa posta, tenho a convicção de que uma escola que possua um currículo bem estruturado; uma noção clara dos saberes e competências primordiais que devem ser desenvolvidos com prioridade; que conta com um serviço pedagógico fortemente munido de instrumentos de acompanhamento da aprendizagem de modo individualizado e com um bom repertório de intervenções pedagógicas, consegue ensinar com qualidade aos estudantes tudo aquilo que se propõe para sua idade e série, mesmo àqueles que entram na vida escolar carregando todas as controvérsias de uma uma vida econômica e social desafiadora.

Não faltam exemplos para corroborar com esta minha convicção. Mesmo no Brasil. Mesmo na educação pública. Até porque não estou falando a partir de uma utopia, mas baseado em pesquisas que conseguem identificar características de funcionamento escolar que dá efetividade ao processo de aprendizagem.

A grande questão é que insistimos em colocar na conta do estudante o "fracasso escolar", principalmente quando chegam ao ensino médio. Ora como vítima por ter passado pelas etapas anteriores sem aprender a ler, escrever e a fazer cálculos elementares; ora por não manifestar, simplesmente, o interesse pela escola.

Por outro lado, quando o estudante se destaca, embora se reconheça o esforço individual, atribui-se à escola "o sucesso". Essa divisão de ônus e bônus no processo de aprendizagem e ensino não é razoável. Podemos ir além da noção de herói e vilão e construir uma visão compartilhada de esforços individuais dos estudantes e responsabilidades institucionais da escola.

Rubem Alves sintetizou bem o processo de ensino e aprendizagem usando a seguinte referência metafórica: "Esta é a regra fundamental desse computador que vive no corpo humano: só vai para a memória aquilo que é objeto do desejo. A tarefa primordial do professor: seduzir o aluno para que ele deseje e, desejando, aprenda."

O desejo, que Rubem Alves trata, se cria ou se fortalece pela alimentação da esperança, em outras palavras, de que se pode aprender quando temos ao dispor um trabalho pedagógico bem sistematizado e o envolvimento do estudante no processo educativo. É um desejo que se educa, não um desejo que se desenvolve naturalmente.

Quando o estudante tem à sua disposição uma estrutura pedagógica fundamentada na premissa de que a escola faz a diferença na vida das pessoas, em que todas as dimensões associadas ao processo de aprendizagem são assistidas intencionalmente, a partir de um projeto pedagógico direcionado para a aprendizagem de todos, as chances de se ter um bom desempenho escolar são muito promissoras.

Agora, por outro lado, ao se concluir que a instituição escolar é impotente para desenvolver seu projeto pedagógico frente ao histórico de reprovações de alguns estudantes, que gerou distorção série-idade ou porque o fizeram acreditar que a escola não foi feita para muitos deles, enterra-se boa parte das oportunidades educacionais.

Nessa perspectiva, a escola precisa, em linhas gerais:

- Estabelecer, em seu currículo, o que todos os alunos devem aprender. Quero dizer com isso que a tarefa essencial da escola não é cumprir o sumário dos livros numa ansiedade de dar conta de todo o conhecimento estruturado. Mais do que o domínio de informações sobre os assuntos abordados em todos os componentes curriculares, os estudantes precisam ser instigados a processar o saber, maturá-lo, ao invés de escutar aulas;

- Com a definição do currículo essencial, estrutura-se um processo contínuo de avaliação. Enquanto o processo pedagógico estiver marcado por avaliações que identificam o quanto se memorizou em cada disciplina, aplicadas de forma pontual, dificilmente se garantirá um processo intencional de aprendizagem para todos;

- E para este circuito funcionar, é importante que o serviço de acompanhamento pedagógico seja guiado para apoiar os professores em seu processo de ensino, trazendo como principal insumo, neste apoio ao professor, o desempenho acadêmico de cada estudante.

A lista acima não é um receituário, mas uma indicação que precisamos ter foco no processo de aprendizagem a partir de um método de acompanhamento pedagógico bem definido e pactuado com todos os sujeitos envolvidos com a implementação do projeto escolar: gestão, professores, alunos e pais.

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

A escola e as Competências para a Vida (Parte 2)

http://www.playground-inovacao.com.br/category/brincar-inovacao/

A escola é uma instituição social que lida com as pessoas nos momentos mais críticos da trajetória de construção da personalidade. Com este pressuposto definido, cabe a esta instituição se conceber politicamente para o desenvolvimento integral dos estudantes, considerando as dimensões cognitivas, relacionais, afetivas, culturais e sociais que compõem o imaginário das pessoas, além de dar intencionalidade pedagógica em seu projeto formativo.

Na escola que temos, construída sob o pilar do desenvolvimento industrial e forjada nos princípios da modernidade, estruturaram-se processos de ensino para cuidar, quase que exclusivamente, das aprendizagens de um currículo de base científica, com especial atenção à língua materna e matemática, o que é muito importante, mas que não dedica a devida atenção ao turbilhão de incertezas inerente ao processo de socialização e a construção da identidade pessoal, tendo como contexto uma teia social cada vez mais complexa, e, portanto, mais desafiadora para os estudantes.

Os dilemas sobre a vida são postos para todos nós na idade escolar. Na cabeça de jovens que cursam o ensino médio, muitas questões existenciais ficam pairando em seus pensamentos, questões do tipo: quem sou eu? onde estou? para onde quero ir? estou conseguindo aceitar a mim mesmo frente aos padrões já estabelecidos na sociedade, na minha comunidade? meus colegas me aceitam como eu me sonho? quem se importa com a minha felicidade? o que é mais importante, viver o agora ou me preparar para o amanhã?, entre muitas outras.

Essas questões, por mais que haja esforço para respondê-las, para maturá-las, ficam dando voltas no imaginário juvenil, gerando crises de identidade, de autoimagem, além de uma busca frenética pelo Eu na selva pantanosa das incertezas relacionais. Trabalhar as dimensões socioemocionais, além do desenvolvimento da aprendizagem dos conteúdos já considerados clássicos, neste contexto, é muito importante e pode significar o vínculo ou não dos jovens com a proposta formativa da escola.

Numa entrevista concedida ao jornal O Povo, em 21 de agosto de 2017, o pesquisador belga Filip de Fruyt disse que "a escola é um playground interessante para, literalmente, se exercitar e desenvolver as habilidades socioemocionais." Nesta perspectiva, espera-se da escola um trabalho pedagógico de base holística, em que o cognitivo e as competências socioemocionais componham o processo de aprendizagem e desenvolvimento. Visto desta forma, o que se convencionou denominar de competências socioemocionais não são conteúdos a serem ensinados, mas se configura como parte importante do desenvolvimento integral das pessoas na perspectiva de uma proposta pedagógica que não aparta o cognitivo de outras dimensões caras à socialização e à construção da identidade pessoal.

É importante observar que não defendo a introdução da agenda de desenvolvimento das competências socioemocionais na escola com vistas, simplesmente, à adequação a um por vir, isto é, como meio de preparar o jovem para o mundo do trabalho, mas, substancialmente, como estratégia a ser incorporada no currículo escolar para que os jovens se sintam acolhidos numa proposta educativa que dialoga com suas necessidades do presente, do seu tempo. A escola que fala somente de um futuro, das necessidades de se preparar para a fase adulta, produtiva, tem grande dificuldade em se conectar com os interesses e necessidades dos jovens.

Os pesquisadores Paulo Carrano e Carlos Henrique Martins, no texto A escola diante das culturas juvenis: reconhecer para dialogar, afirmam que "Os jovens possuem um significativo campo de autonomia perante as instituições do denominado 'mundo adulto' para construir seus próprios acervos e identidades culturais." Dialogando com estes pesquisadores, a proposta pedagógica precisa estar fundada na premissa de que, para se ter estudantes motivados a aprender o que se definiu no currículo, é necessário reconhecer as culturas juvenis, suas expressões, e trazer o jovem por inteiro para participar da sua aprendizagem. Isso quer dizer que, em vez de buscar a construção de um ser humano idealizado, a escola precisa ser capaz de estabelecer diálogo com as variadas manifestações dos jovens e construir um itinerário formativo que os ajude no complexo processo de desenvolvimento.

A escola que queremos precisa se organizar para ajudar os estudantes a viverem suas incertezas. Banalizá-las e, consequentemente, ignorá-las, dizendo: "essa fase vai passar", oficializa o desrespeito ao momento que os jovens estão passando e que precisa ser vivido com toda a intensidade característica desse momento. É função da escola, nesse sentido, orientar os jovens para o fortalecimento de uma visão de si mesmos fundada na solidariedade, na resiliência, na abertura ao novo etc. O protagonismo do jovem na escola, portanto, precisa ser aguçado, estimulado, para que tenhamos em nossa sociedade pessoas mais empoderadas, com projetos de vida que expressem uma visão conciliadora entre o "quem sou" e a "visão de mundo e de futuro".

Diante desta narrativa, a escola não pode se mostrar insensível aos anseios pessoais dos jovens. Entre suas intencionalidades formativas, a escola deve direcionar esforços pedagógicos para ajudar os estudantes a dialogarem consigo mesmos, a viverem sua cultura juvenil, em vez de expor aos estudantes um padrão educacional que os direciona para viver um futuro idealizado, por demais abstrato.