segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Uma escola pública democrática e republicana (Parte 1)

A escola democrática e republicana se constitui no seguinte fundamento: a formação cidadã deve estar baseada na autonomia e na emancipação dos sujeitos.

A escola pública é uma das principais estruturas políticas de uma sociedade democrática, em potencial, que deve garantir condições igualitárias de acesso ao conhecimento socialmente produzido, e, nesta medida, oportunizar melhores condições sociais e de acesso aos bens culturais e científicos a toda a população, sem distinção de cor, condições socioeconômicas ou qualquer outra característica física ou cultural dos estudantes.

Sem esse entendimento, a escola pública apenas reproduz a desigualdade historicamente materializada, deixando de lado seus princípios políticos, relacionados ao acesso e criação de oportunidades para transformação do status quo.

O Brasil tardiamente começou a levar a sério a escola pública - as evidências históricas mostram isso. Por conseguinte, hoje fala-se abertamente em reformas educacionais com vistas a superar anos de relativo "atraso" na organização de seus sistemas de ensino. No entanto, preocupam-me a forma e os princípios que regem tais "reformas", pois é preciso observar as bases ideológicas que as sustentam.

Serei claro a esse respeito. A escola foi institucionalizada em meados do século XIX sob o forte pretexto de educar, em larga escala, as pessoas para permitir a apropriação de valores caros à organização produtiva. O princípio pedagógico da simultaneidade foi instaurado, ou seja, as crianças, que antes eram educadas individualmente, em casa, passaram a compartilhar os ensinamentos de um professor com outras crianças em uma sala de aula. Claramente, esse modelo de educação não tinha a intenção de formar cidadãos livres e críticos, mas produtivos em sua última finalidade.

Com o passar do tempo, principalmente com o esgotamento do pragmatismo educacional de se ensinar, somente, conteúdos associados ao cognitivo, buscou-se alargar as possibilidades formativas, inserindo novas dimensões socioeducativas. Há de se ressaltar que esse movimento de reformas educacionais está presente em todas as nações democráticas.

Um dos meus argumentos neste texto não está relacionado à negação do mundo do trabalho no processo educativo, e sim à necessidade de formação integral dos sujeitos em uma perspectiva mais abrangente, que considere inclusive as relações produtivas, mas que não se esgote nelas.

Nesses últimos anos, o ensino médio brasileiro está em discussão com vistas à promoção de mudanças relacionadas à organização curricular. Fala-se em dar aos estudantes a prerrogativa de escolher uma ênfase a ser aprofundada ao longo do ensino médio, de acordo com a Medida Provisória nº 746/2016, cujo principal argumento é desmontar a "esquizofrenia" de se trabalhar 13 disciplinas ditas obrigatórias.

De fato, ao analisar outros modelos curriculares praticados no ensino médio mundo afora, percebe-se uma maior flexibilização do currículo, caracterizada pela possibilidade de os estudantes realizarem escolhas sobre seus itinerários. Contudo, em nenhum sistema, é importante que se frise, o estudante, ao escolher uma ênfase, terá de obrigatoriamente cursá-la ao longo de todo o ensino médio. Em todas elas, o jovem faz suas escolhas na perspectiva de encontrar respostas a seus anseios do momento, de modo que tenha melhores condições de tomar decisões pós educação básica sobre carreira profissional e/ou acadêmica.

É preciso diversificar e ampliar caminhos, variar oportunidades, e não estreitar o currículo em "ênfases". Esse remodelamento condicionado à MP pode subtrair da formação dos sujeitos elementos importantes para a formação integral ao esvaziar possibilidades, tendo em vista que não será possível alterações de itinerários ao longo do ensino médio, como sugere o atual §10 do Art. 36 da LDB, inserido pela MP, "os sistemas de ensino, mediante disponibilidade de vagas na rede, possibilitarão ao estudante concluinte do ensino médio cursar, no ano letivo subsequente ao da conclusão, outro itinerário formativo de que trata o caput." Essa lógica não está dialogando com o discurso da flexibilização que serve de pretexto para defender a utilidade desta Reforma.

Para que fique claro: no modelo flexível adotado em outros países, diversificar o currículo pressupõe que, a cada período, o estudante faça escolhas sobre o que pretende estudar com o propósito de dinamizar a experiência escolar, tornado-a mais significativa. Desse modo, os estudantes escolhem temáticas relacionadas à arte, educação física, história e matemática num semestre, por exemplo, e no outro faz escolhas de assuntos associados a outras matrizes do conhecimento, caso assim o decidam.

Da forma como está, a proposta de remodelamento presente na MP 746 retira oportunidades para se construir uma formação sólida, diversificada quanto à matriz científica e cultural disponível aos estudantes. O risco desta proposta, portanto, é não dialogar efetivamente com os princípios republicanos tratados no início deste texto.

Na parte 2 desta reflexão, buscarei apresentar a experiência de tempos eletivos em andamento nas escolas de tempo integral do Ceará, uma outra perspectiva de diversificação de itinerários.


Texto escrito por Rogers Mendes com a colaboração de Hylo Leal.

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