Escola tem uma função social bastante controversa. Para muitos é uma instituição que serve de instrumento para reprodução do conhecimento, memorização dos grandes feitos da humanidade, de acomodação às estruturas opressoras e por aí segue. Para outros, é um espaço de construção de um conhecimento inacabado, de rupturas, consolidação de um sistema de escolhas no contexto de uma sociedade democrática.
Essas duas visões coexistem no cotidiano das escolas. Parte do tempo letivo é destinado à estudar os conteúdos do livro didático. Quanto a isso, nenhum problema. A limitação que vejo é o ensino ficar restrito a essa fonte, sem trazer as correlações com a vida dos estudantes.
Para ilustrar o que estou afirmando, o tema água, quando estudado na escola, é abordado de forma geral, mais próximo de um conceito abstrato. É essencial para a vida, por isso deve ser preservada! E parece que para por aí.
Mas ficam no ar algumas perguntas: quantos dos alunos sabem de onde vem a água que chega a torneira das casas? A fonte de onde vem a água aguentará até quando tendo em vista a escassez de chuvas, principalmente no nordeste? Como é feito o tratamento? Que estratégias já foram pensadas e que podem ser implantadas para convivência com o Semiárido? Como se dá a resolução ou gestão de conflitos sociais gerados pela disputa da água? Como são garantidos os direitos essenciais? Há riscos de contaminação dessa água?
Essas perguntas não são banais. Lecionei numa escola encravada no sertão cearense. No Semiárido em sua expressão mais evidente. A comunidade de cerca de 12 mil habitantes é abastecida com água armazenada num açude com capacidade de 24 milhões de m³. Há um sistema de tratamento com filtro e adição de produtos químicos.
Meus alunos, com quase 10 anos de escolaridade, nunca tinham sido apresentados ao processo de captação da água e a todo o processo de tratamento. Não imaginavam por quais procedimentos a água passava antes de chegar às suas casas.
A vida moderna gera facilidades que nos desconectam da natureza. Os recursos naturais são temas constantes na sociedade devido a escassez ou utilização indevida. E isso precisa ser pauta constante no processo de ensino.
O mais grave, na minha concepção, os jovens não imaginavam os conflitos existentes por conta da disputa pelo acesso e uso da água. Sim, disputa! Todo reservatório é a barragem de um ou vários rios. Os moradores pós barragem esperam que a água seja liberada ao longo do ano. Criadores e agricultores dependem dessa água também. Mas a população da sede, quando sente a escassez de chuvas, protesta pelo fechamento das comportas, e aí inicia um embate que muitas vezes gera tensões sociais.
Enfim, água é muito mais que uma fórmula química ou uma fonte vital para a sobrevivência. Os estudantes precisam ser instigados a enxergarem e compreenderem sua realidade para viverem a plenitude da cidadania.
Esse é apenas um exemplo, de muitos outros temas estudados na escola e que tem relação direta com a vida dos estudantes e, por isso, poderiam ser melhor trabalhados a partir da contextualização com a vida real.
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